Odisseia do Escritor
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Elton Jt
talysmcidreira
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talysmcidreira




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MensagemAssunto: --- 1919 ---   --- 1919 --- Icon_minitimeTer Nov 04, 2014 8:50 pm

O sorriso era ácido e sarcástico
O olhar malicioso
A expressão maleficente
A luz fulminava como o inferno.
Era macabra
Era uma obra de arte abstrata.




PARTE I - DAVI - MICHELANGELO





31 de outubro de 1919.
Paris, França.


Os dias mórbidos haviam chegado ao fim por mais que o céu continuasse trajando suas nuvens cinzas de um luto eterno. O vento frio arrastava-se pelas ruas íngremes e sujas que tinham como pano de fundo a imponente torre Eifel, construída há pouco mais de quinze anos. As águas do rio Senna estavam calmas como os dias posteriores ao fim da guerra. A miséria devastava os dias prósperos que se sustentaram por um breve período. Mas a história que irei lhes contar começou há alguns quilômetros da cidade, seguindo a estrada principal de terra, onde ficavam os jardins verdes da maravilhosa mansão Veiga.

O extenso muro de pedras era baixo e percorria um caminho tão longo que se perdia de vista o fim da estrutura. As árvores altas e simétricas formavam um corredor para o portão de entrada que os levava há um amplo jardim onde foram recepcionados por um belíssimo chafariz de estrutura circular tendo como base central a escultura de um anjo sem asas ou de uma figura da mitologia, quem sabe até uma figura bíblica, não saberia de fato explicar tal monumento, apenas sei que de sua boca jorrava um líquido incolor como água, que era tão excêntrico a ponto de assemelhar-se com a escultura de "Davi" de Michelangelo, apesar do aspecto diferencial artístico.
Enquanto podia-se deslumbrar tal obra do homem diante de tamanha natureza de Deus, chegávamos finalmente aos jardins floridos da mansão. Milhares de espécies de flores varriam o chão como cascatas que jorravam de um desfiladeiro. Inúmeras espécies, diversos tamanhos, variadas cores e uma infinidade de odores. Os insetos se desvairavam sobre o pólen doce e os pássaros cantavam para alegrar e fazer-nos lembrar que não estávamos em um cemitério.

Quando ainda estivéssemos estáticos com toda a grandiosidade que cercava o local, podíamos ficar mais intimistas diante da grandiosidade da fachada principal do prédio que formava a casa. Seria uma obra grega ou romana? Talvez um pouco dos dois aspectos se levássemos em conta tamanha magnificência.

Desceram do Maybach W3, um dos modelos mais luxuosos da época, após o chofer abrir gentilmente a porta, o hóspede não estava acostumado com o modo de vida burguês, mas contentou-se a seguir os passos do Sr. Veiga, que gentilmente o comprou um belíssimo terno para aquela ocasião.

Subiram as escadarias e adentraram pela porta principal onde foram recepcionados pela família  do Sr. Veiga, sua esposa Eliza, que trajava um colar de esmeraldas espetacular, seu filho Markus, um jovem rapaz loiro que vestia um terno escuro bem passado e a bela moça de cabelos ruivos,  Olga, que o olhara com apreço. Estavam todos parados alí naquele salão expansivo, sob o esplendoroso lustre de cristais. A criada, mais adiante, segurava um bolo confeitado decorado com frutas como maçã e cereja. Enquanto seus olhos estavam focados na menina de cabelos cor de crepúsculo, a criada deixou cair o bolo e desmaiou contorcendo-se no chão como se tivesse um ataque cardíaco. A baba branca escorria da sua boca enquanto balbuciava vocábulos incompreensíveis. Provavelmente algo proveniente do latim. Mas como alguém como ela saberia falar uma língua como essa? A criada mal sabia pronunciar palavras básicas de uso diário.
Um formoso gatinho preto como a escuridão correu através do piso de mármore.



PARTE II - A ÚLTIMA CEIA - LEONARDO DA VINCI




O vão da sala de jantar era amplo e espaçoso como todos os cômodos daquela casa. A mesa de madeira possuía doze lugares. Os castiçais de ouro, a louça de porcelana e os talheres de prata estavam devidamente arrumados, expostos e dispersos meticulosamente ornamentados. Todos estavam sentados em seus lugares, pareciam tão estáticos como na obra "A Última Ceia" de Leonardo da Vinci. O Sr. Veiga na cabeceira central, acompanhado da esposa Eliza à direita, do filho Markus à esquerda e da bela Olga logo em seguida. Os serviçais fardados ficavam de prontidão afastados há meio metro da mesa.

Na tela retangular no ângulo esquerdo da sala, Héctor Neville rabiscava com seus pincéis os primeiros traços da obra prima contratada pelo senhor Henrique Veiga. A tela mostrava uma cópia fiel de tudo que estava presente naquele almoço de aniversário em família. Héctor tinha uma habilidade fascinante, agora podia-se entender perfeitamente por que o Sr. Veiga resolvera trazê-lo direto das ruas infames da suja Paris para pintar o retrato surrealista de sua ceia de primavera.

Naquela manhã o magnata da indústria voltava da fábrica quando observara por acaso o trabalho de Neville de dentro do seu Maybach W3 em uma das ruas da velha Paris. Pedira para seu chofer chamá-lo e após uma conversa tranquila combinaram tudo sobre a confecção da obra. O Sr. Veiga pagou banho, roupas caras e café da manhã ao jovem moribundo. Héctor parecia uma nova pessoa asseado, vestindo roupas de qualidade e cheirando há fragrâncias nobres. Também era a oportunidade perfeita para um iniciante e desconhecido pintor ganhar fama e prestígio. Agora Héctor estava alí diante de todos aqueles burgueses que comiam das melhores comidas e bebiam das melhores bebidas.

O auto-retrato estava ficando grotesco, viril, cheio de ângulos e formas, visionário e transgênico. Estava transformando-se em uma obra de arte que estava longe de ser reconhecida pelo mercado cultural, mas que daria a Neville ostentação e glamour. Talvez o sonho de ver seu retrato no museu do Louvre, ao lado da Monalisa se concretizasse. Um dia quem sabe.
 
A perspectiva sobre a tela estava tão realista, mas cheia de abstratíssimos visíveis em seus traços articulados com perspicácia. A visão ultrapassava as barreiras entre a realidade e o subconsciente do discernimento empregado como trunfo da obra. Era um gênero único. Podia ser visto centenas de vezes com as mais diferentes interpretações. Foram horas até que pudesse concluir o trabalho. Assim que se deu por encerrado todos respiraram aliviados. Sentiam fome.

- Sirvam a mesa! _ ordenou ferozmente o senhor Henrique aos criados.
Enquanto alguns empregados traziam as especiarias, outros arrumavam as travessas de prata sobre o centro da mesa e serviam o banquete colocando a comida nos pratos individuais dispostos.

Imóvel diante de sua obra, Héctor parecia uma escultura talhada em lápide, estava tão formoso que a jovem Olga o admirava disfarçadamente em momentos interruptos. Após fazer uma oração judaica, todos começaram a comer. O menino Markus não era mais tão garoto assim, mas tomou uma atitude desequilibrada para protestar contra a situação financeira difícil pela qual estavam passando, situação essa que tentavam esconder incessantemente da sociedade.

- Eu não aceito a pobreza! _ gritou diante de todos ao gafear com ódio o pedaço de ave no prato. - Vocês possam de imperiais, mas são agora todos da plebe! _ vociferou ao levantar-se, sem encarar o pai nos olhos.

O senhor Henrique largou os talheres e a comida antes mesmo de levá-la a boca. Levantou-se e esbofeteou o rosto do filho com tanta força que formou-se um eco em toda sala. Markus levantou o rosto deixando a bochecha vermelha à mostra, ainda pensou na possibilidade de esfaquear o pai com a serra de cortar ave, mas apenas retirou-se do almoço em silêncio. Todos voltaram a comer como se nada tivesse acontecido. Assim que  o senhor Henrique acabou a refeição Héctor pôde enfim mostrar o belíssimo trabalho a ele que gostou tanto ao ponto de ser generoso ao deixar o pintor almoçar na mesa principal e comer da mesma comida que eles.




PARTE III - A CRIAÇÃO DE ADÃO - MICHELANGELO




O tom de morte que cobria o céu mais cedo parecia ter se desvanecido em meados da tarde. Agora um azul exuberante despojava sua beleza efêmera. A jovem Olga caminhava pelos jardins floridos com seus cabelos cor de fogo, em meio as rosas, parecia mais uma delas. Levava um livro em mãos, provavelmente algo da Jane Austen, adorava ler os romances dessa escritora, lhe fazia acreditar em príncipes encantados. Em meio há um dos pilares da sacada da frente da casa Héctor Neville admirava sua estonteante beleza. Ele nunca estivera tão perto de uma mulher tão bela quanto Olga. Nem mesmo a nobre senhora Júlia que lhe pagou para pintá-la completamente nua em sua banheira lhe despertara tamanho fascínio e desejo.

O seu coração palpitava como o ponteiro de um relógio e sua mente turbinava de pensamentos sórdidos e de desejos que lhe foram aflorados desde aquele primeiro contato visual com sua chegada até a hora da última ceia.

- Quero que pinte a minha filha, Olga! Quero que você a pinte inteiramente coberta de joias. _ ordenou o senhor Henrique que apareceu de repente na penumbra atrás dele.

- Como o senhor desejar! _ respondeu cabisbaixo.

O próprio senhor Veiga pediu para que a filha ficasse deslumbrante, como se fosse possível torná-la ainda mais bela e irresistível. Olga pôs um de seus vestidos imperiais. O robe era verde esmeralda como o colar de sua mãe. Colocou com a ajuda de uma das criadas o bracelete de pedras preciosas, a gargantilha de brilhantes que ganhara de aniversário do pai e os brincos de safira irlandesa presente do tio Hernest. Admirou-se no espelho vertical do seu quarto. Estava digna de uma princesa de Gales.

- Está linda, senhorita Olga. _ elogiou a criada.
- Obrigado. _ respondeu ainda observando-se no espelho.
Antes mesmo de chegar ao salão principal da mansão Olga já ouvia as notas do piano, alguém estava tocando uma das canções de Bach, provavelmente seria Markus, ela sabia o quanto o irmão idolatrava suas sinfonias. Estava certa, Markus estava sentado ao piano martelando notas depressivas, mas ao vê-la mudou imediatamente o tom e martelou as teclas com rispidez e ódio. O tom sereno se foi e a música tornou-se agressiva. A jovem avistou o irmão por alguns instantes até que ele abandonou o piano e caminhou apressadamente até ela.
- Vai continuar essa encenação até quando? _ disse Markus num tom ameaçador.

A bela menina apenas o admirou com pena e negação. Saiu.

As borboletas davam mais vida ao jardim de flores, cores e odores. Héctor Neville estava diante de sua tela com as tintas e o pincel em mãos quando avistou Olga caminhando por entre as flores, exibindo toda sua beleza intangível.

No mais íntimo dos seus pensamentos ele era o príncipe encantado ao qual ela sonhava. Vestia um terno de alfaiataria e a recepcionava nas escadarias de um palácio. Ela lhe  dava um beijo na bochecha e um sorriso. Ele a cortejava diante de todos. Modera a maçã do paraíso. Acordara de um delírio. A bela Olga estava agora em sua frente pronta para ser pintada como " A Criação de Adão" de Michelangelo.

- Podemos começar?

- Claro que sim senhorita! _ concordou.

Héctor Neville tornou-se audacioso ao encará-la como nunca havia feito antes. Pôde observá-la de perto com mais exatidão. Estava em meio há um ataque de loucura. Suas mãos tremiam sobre a tela e sua testa suava. Ele dava as instruções e ela seguia fielmente. A razão havia despertado mesmo que de forma eloquente. A obra foi finalizada no fim do dia. A empolgação de Olga com seu auto-retrato foi tão calorosa que Héctor ganhou dela um beijo na bochecha. Eis que seus delírios teriam se tornado realidade, em partes.


***

A riqueza e ostentação encobriam toda podridão dentro dos muros daquela fortaleza da família Veiga. Enquanto a casa grande era um palácio luxuoso, as casas dos empregados no fundo dos jardins eram abomináveis berços de pobreza e miséria. A criada Marie espetava com fúria um boneco de pano com características semelhantes a Markus na escuridão dos pés de uma macieira. Marie veio da África traficada em porões de navios que vendiam escravos na região européia, passou os seus primeiros anos em terras italianas, até ser vendida para o senhor Henrique no comércio negro de serviçais. Desde que chegara despertou bastante apreço por parte da senhora Eliza que descobrira o dom que ela tinha para fabricar ervas medicinais caseiras para as mais diversas enfermidades. O que a senhora Eliza não imaginava era que Marie nascera do ventre de uma bruxa muito conhecida na região africana. Marie conhecera cedo o poder das ervas que lhe fora ensinado por sua mãe, conhecera também o poder das forças ocultas. Eventualmente mesmo motivo pelo qual sua mãe fora queimada acusada por seus crimes dessa natureza.



***


Uma lua minguante brilhava em meio às constelações estrelares enquanto corvos grasnavam na copa das árvores. Após um convite espontâneo para acompanhar Olga até o jardim, Héctor cogitou esperanças ainda maiores de um amor correspondido. Afinal o senhor Henrique adorara suas duas pinturas e prometera lhe tornar conhecido e relevante na sociedade parisiense. Em troca só precisava fazer as pessoas acreditarem que ele não estava à beira da falência e da miséria. Caso viesse a se tornar rico e continuasse a frequentar a alta sociedade seria o par perfeito para a bela Olga Veiga que agora lhe enroscara em seu braço e o acompanhava há passos rasos. Poderia pedi-la em casamento e salvar o futuro sogro da falência. Era uma estratégia infalível, se não fosse irrealista demais. Cheio de coragem Héctor pára diante do chafariz com aspecto de Davi de Michelangelo e segura Olga pelos quadris torneados, beija a moça.



***


Enquanto Marie espetava o boneco de Markus, o rapaz saíra ensandecido de casa com uma arma cravada de balas em punhos que havia roubado momento antes no escritório do pai. O jovem completamente perturbado caminha apresado por entre as flores esmagando impiedosamente todas as rosas que lhe atrapalhavam o caminho até o chafariz. Os espinhos rasgavam a bainha de sua calça sem piedade. Markus fica perplexo diante do horizonte de sua visão, presencia a cena de beijo entre a irmã e o pintor desconhecido. Um sentimento de raiva o consome. Ele mira a arma em direção aos dois e dispara.




PARTE IV - MONALISA - LEONARDO DA VINCI





Os carros de luxo adentravam os jardins do Éden para comer a maçã envenenada da serpente. A movimentação diante do palacete greco-romano era intensa. No interior podia-se ver o amplo salão ornamentado com orquídeas brancas, com uma farta mesa de frutas coloridas e com o glamour do lustre de diamantes que enriquecia ainda mais o ambiente. As damas com seus cavaleiros bem afeiçoados percorriam o piso de mármore onde eram recepcionados pelo empregados que serviam os melhores vinhos do mercado europeu e ofereciam as melhores comidas da mesa esnobe da classe burguesa.

O quadro da "A Última Ceia" de Héctor Neville estava devidamente exposto de maneira estratégica na parede, ao seu lado o belo sorriso tímido de Olga Veiga, com uma fisionomia introspectiva e bastante sedutora assemelhava-se a figura da "Monalisa" de Leonardo Da Vinci. Era uma bela mentira sustentar tamanha riqueza diante de uma visível expressão de falência.
 
O senhor Henrique Veiga cumprimentava os convidados ao lado da esposa Eliza. Todos o parabenizavam por mais um ano de vida, pela festa esplendorosa e pela superação na crise financeira no mercado industrial.

O jazz, gênero de ouro da época, embalava a festa com um essencial pragmático que logo fora interrompido por Markus que uma vez mais sentara ao piano e começara a tocar Bach. Todos estranham a atitude do filho mais velho do magnata, mas logo Eliza encontrou um jeito de fazer a situação soar natural ao puxar o marido para dançar no meio do salão a canção melancólica que o rapaz reproduzia. A dança serviu de atrativo para os casais que deixaram seus casulos e vigoraram suas habilidades de aspecto corporal.

A fúria que voltara as mãos de Markus tornou-se mais representativa quando a melodia converteu-se em um tom mais agressivo. Ele sempre passava por cima da razão, ia de fato diretamente à loucura. Mas cedo quando havia sido trancado pelo pai dentro do quarto, após quase matar a própria irmã, destruiu tudo que estava ao seu alcance até cessar aos prantos diante da porta. De alguma maneira havia fugido do recluso obrigatório. Abandonara repentinamente o piano da mesma forma como chegara até ele. Os musicistas invocaram imediatamente o jazz embalando a continuação do evento.



***


A ornamentação do sofá reluzia sua cor de ouro, o verde do estofado podia não ser a cor preferida de Olga, mas incontestavelmente era a cor de predominância dos seus aposentos. Seus pés delicados estavam deitados horizontalmente sobre ele assim como seu corpo curvilíneo e magro. Vestia somente as jóias que outrora estavam por cima do vestido. A esplendorosa gargantilha de brilhantes não chamava tanto a atenção de Héctor quanto os seus seios pequenos e firmes.

- Pinta-me, Héctor Neville! _ ordenou com seus lábios carnudos.

- Como desejar, senhorita!

O habilidoso pintor estava diante daquela mulher que lhe enfeitiçou desde o primeiro momento de contato visual, aquela mulher que lhe invocou pensamentos infames e sórdidos durante toda a tarde. Ela estava agora deitada em sua frente, nua como uma deusa desvairada. Ele podia observar cada traço íntimo do seu corpo e rabiscar na tela com o pincel. E foi o que fez entre orgasmos e ejaculações espontâneas. Pintou durante horas sua deusa nua ao som da música de fundo que vinha da festa. Em meio há pensamentos insanos e pecaminosos. Os seus delírios passaram de irreais para reais fantasias.

Assim que a pintura fora encerrada Olga não quis ver como o trabalho havia ficado, apenas levantou-se e caminhou manhosa como uma gata no cio ao encontro de Héctor. Pendurou-se ao pescoço do pintor e invadiu seus olhos azuis com um desejo voraz de luxúria. O beijou com delicadeza e com intensidade. Suas mãos precisas desabotoaram o seu casaco e colete. Sedento de desejo, o próprio Héctor ajudou-a a despi-lo. Eles atiraram-se na cama e fizeram amor com seus corpos suados. Invadiram por completo um ao outro saciando o desejo que os consumia.



***


A criada Marie caminhava pelo salão, diante dos casais que dançavam como valsa, com a bandeja de prata levando as taças de cristais contendo vinho e champanhe. Estava servindo os convidados, mas aquela remessa especial era para os patrões. O senhor Henrique pegou uma das taças de cristal e a senhora Eliza outra da remessa oferecida pela criada. Os dois brindaram sorridentes.

- À nossa vitória!

- À nossa vitória!

Os dois beberam o vinho imediatamente. Cristais estraçalharam-se no piso de mármore. Eliza desmaiou e Henrique em logo em seguida. Apesar dos olhos arregalados brilharem como diamantes, estavam mortos.




PARTE V - A NOITE ESTRELADA - VICENT VAN GOGH





O palacete da mansão Veiga estava em ruínas. Se antes sustentava luxo e glamour agora não passava de um monumento abandonado. O vento arrastava as folhas secas e as pétalas mortas das flores pelo piso de mármore do salão da casa e pelos jazigos do casal Henrique e Eliza no quintal. A sepultura deles fazia companhia,  no cemitério da família, à do filho caçula deles que havia morrido misteriosamente há alguns anos atrás. O mausoléu possuía esculturas como "Davi" de Michelangelo.

Naquela noite Marie vingou-se pela morte de sua mãe, estava esperando por esse momento há anos desde que soubera que o pai do senhor Henrique fora responsável pela sua morte. A criada foi presa e estava enjaulada em umas das celas podres e fedidas da delegacia.



***


O orvalho caía lento das folhas das árvores do jardim bem cuidado daquele paraíso infernal. Markus observava com exatidão cada movimento. Ele tinha uma sensibilidade incrível. Estava tão livre em meio aos seus pensamentos, mas inteiramente enjaulado dentro daquele manicômio que ficava nas redondezas da cidade. Recebera a visita da irmã algumas vezes.



***


O sol brilhava intensamente naquela primavera parisiense. A fachada do museu do Louvre estava lotada quando Olga Veiga e Héctor Neville desceram de uma Mercedes sendo recepcionados por dezenas de fotógrafos e jornalistas. A bela que já não era mais tão jovem como antes, estava deslumbrante como sempre. Os dois haviam se casado meses depois da morte dos pais dela. Olga internara o irmão Markus em uma clínica e vendera todos os bens da família, investiu no talento de Héctor e formaram fortuna com a obra artística do pintor e agora escultor que se tornara famoso como outros gênios da arte. Naquela tarde vieram acompanhar a sua primeira exposição no museu que era um deus representativo do cenário artístico. A pintura sobre tela de Olga Veiga era um retrato infiel da "Monalisa" de Leonardo da Vinci, já a obra em tela de "A Última Ceia" era outro fragmento marcante que acentuava a diferença entre os dois pintores.

Um ano mais tarde antes de suicidar-se após imensas doses de absinto e tomado pelos fantasmas da depressão, Héctor criou seu maior patrimônio, a obra em formato escultural ao qual batizou de "O Gato de Neville".

Por um longo período Héctor Neville fora lembrado como "A Sombra de Da Vinci", até permanecer esquecido na eternidade.
“O Gato de Neville” foi destruído por Olga durante um ataque de loucura que se tornou frequente após a solidão invadir sua vida de maneira impertinente. A bela morreu meses após ser internada no mesmo manicômio onde abandonara o irmão.
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Elton Jt

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MensagemAssunto: Re: --- 1919 ---   --- 1919 --- Icon_minitimeQua Nov 05, 2014 11:29 am

É muito interessante como você consegue descrever alguns aspectos com poucas palavras, por exemplo o quadro, lendo apenas três linhas consegui enxergá-lo na minha frente com moldura e tudo.

O que me incomodou um pouco foram alguns trechos em que você tenta "enfeitar" demais, pois prefiro sempre a simplicidade. Por exemplo: "O jazz, gênero de ouro da época, embalava a festa com um essencial pragmático", tive que parar de ler por uns segundos para entender como o jazz tocava, rsrs

Mas esse sou eu, creio que a maioria pensa diferente.

Acho que faltou um pouco mais de drama, e a parte do suicídio ficou meio vaga para o tema.

Gostei muito do seu conto, parabéns pela qualidade e criatividade.
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Ademar Ribeiro

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MensagemAssunto: Re: --- 1919 ---   --- 1919 --- Icon_minitimeQua Nov 05, 2014 12:25 pm

Olá Talys. Seja bem vindo!

Começaremos pelo subgênero e tema. Ambos abordado como o necessário. Mas assim como Elton ressaltou, eu senti falta de uma maior dramatização nesta cena derradeira. O suicídio por si só já é dramático, então nada mais justo que caprichar neste trecho. Parabéns pela premissa. Embora extensa e um pouco cansativa no quesito objetividade. Mas sua narrativa tem fluidez então anula o quesito negativo anterior. Sua ideia, bem original diga-se de passagem me trouxe para dentro da trama, tamanha os detalhes de cenário e personagens que tu criou.

É isso. Parabéns Talys até o mês que vem.
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Carol Rodriguez

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MensagemAssunto: Re: --- 1919 ---   --- 1919 --- Icon_minitimeDom Nov 23, 2014 9:35 am

Adorei seu conto, mas confesso que fiquei meio perdida... Li, reli e não encontrei a parte do suicídio. Achei dois homicídios e a tentativa de um terceiro.
Aliás, senti falta de explicações... O que houve depois que Markus atirou em Héctor e Olga? Certo, ele foi para o manicômio, mas o tiro acertou? De raspão? Alguém ouviu? Creio que essa é uma ponta solta assim como a primeira criada que teve o ataque cardíaco. Ela morreu? Era Marie?

Devo admitir que fiquei encantada como você descreve os ambientes e os personagens. Além de que a sua idia foi maravilhosa, especialmente de fazer um paralelo com as obras de arte separando os trechos. Não consegui parar de ler e queria mais.
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talysmcidreira




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MensagemAssunto: Re: --- 1919 ---   --- 1919 --- Icon_minitimeSáb Nov 29, 2014 11:16 am

O suicídio aparece no final de uma forma bem sutil Carol. Markus atirou, mas não acertou nenhum dos dois, deixo isso subtendido propositalmente na VI parte do conto.
Trecho: "Mais cedo quando havia sido trancado pelo pai dentro do quarto, após quase matar a própria irmã, destruiu tudo que estava ao seu alcance até cessar aos prantos diante da porta."
Quanto a primeira criada também está subtendido que ela fora envenenada pela criada Marie como sinal de sua vingança, ou quem sabe foi Markus quem a envenenou para reprimir a surpresa ao seu pai. Deixei por conta do leitor. Mas não foram pontas soltas. Rsrs
Fico feliz ué tenha gostado. Obrigado por lê-lo.
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Tammy Marinho

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MensagemAssunto: Re: --- 1919 ---   --- 1919 --- Icon_minitimeSeg Dez 01, 2014 5:33 am

Finalmente eu li.

E olha pelo contexto geral posso afirmar que valeu muito a pena.
Não preciso, mas ressaltarei, o quanto sua capacidade descritiva de ambientação e mesmo de cenário me deixou estarrecida. É fascinante a maneira que o faz, da mesma maneira que demonstra maestria em arquitetar e executar o enredo. Pois, aqui sempre tivemos arquitetos ou jardineiros da escrita, e nesse texto tu foi arquiteto e engenheiro. E embora esse seja seu trunfo, sinto que aqui nesse Novembro de dramas, onde eu espero por lágrimas, ser arquiteto e engenheiro foi a sua falha.
Eu enxergo no seu texto um trabalho excepcional, de um talento e planejamento que me supreende (esse mês certamente tu me foi a maior surpresa), entretanto, eu não enxergo no seu texto algo que me faz falta: profundidade.
Eu não sinto os sentimentos reais dos personagens, eles me parecem rasos, vale a pena investir nisso.

E concordo com os rapazes (Elton e Ademar) esse suicídio passou de uma maneira tão bleeergh, é a cena derradeira, podia gastar ao menos mais linhas com ela,


De toda maneira, meus parabéns!
Seja mais que bem vindo e até dezembro.
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Vinícius Tadeu




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MensagemAssunto: Re: --- 1919 ---   --- 1919 --- Icon_minitimeSex Dez 05, 2014 5:40 pm

Talys,
Impossível avaliar com exatidão os méritos de um escritor quando ele trabalha preso a um tema, como fazemos aqui no grupo; mas com certeza dá uma visão do potencial de cada um.
Gostaria de ler algo de escrita livre, no seu estilo individual.
Analisando apenas o conto, digo que está entre os melhores apresentados no grupo.
Sucesso na carreira.
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talysmcidreira




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MensagemAssunto: Re: --- 1919 ---   --- 1919 --- Icon_minitimeSex Dez 05, 2014 6:04 pm

Muit obrigado Vinicius!
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MensagemAssunto: Re: --- 1919 ---   --- 1919 --- Icon_minitime

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