Odisseia do Escritor
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 Help me, e a invenção do tempo

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zizgz




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MensagemAssunto: Help me, e a invenção do tempo   Help me, e a invenção do tempo Icon_minitimeSáb Out 25, 2014 4:07 pm

Escrevia com uma caneta florescente num caderno de capa de couro. Havia um tempo muito antigo que coexistia com uma pós-modernidade vazia – e atinta era vermelha, como um farol numa rocha de um mar escuro e profundo. Coexistiam também as borbulhas de uma fresquinha e o cheiro a tasco vagabundo.
Assim como o discurso, tudo eram sinais incoerentes.
E no entanto, havia um resquício de bom senso.

“Help, I need somebody
Help, not just anybody
Help, you know I need someone, help!”

---*---
A nave aterrara às três luas e um quarto. Vilnius tinha um satélite que marcava o tempo. À medida que transladava o planeta, a sua sombra ia fazendo a noite. Eram os recorrentes eclipses que despertavam e adormeciam as luzes elétricas. Mas a temperatura no planeta não variava, e os relógios biológicos estagnavam, num pachorrento deixar-se estar.
Mas esta lua era diferente. A nave que aterrara estava prestes a descolar e levá-lo-ia de volta. A missão decorrera durante cinco anos terrestres, e estava cumprida – tinha encontrada o infante perdido. Era estranho, àquela distância galáctica, mas ainda se marcavam os anos pelo calendário telúrico. No castelo de Vilnius, estava ainda guardado um relógio dessa era, e os registos que o haviam acompanhado permitiam aos monges, paciente e rigorosamente, marcar o antigo calendário.
“Help me, get my feet back on the ground”    
---*---
Acordei. São três horas da manhã e o suor percorre-me o corpo. Persegue-me este sonho sobre Vilnius. Não sei o que significa. E quem é este infante que salvei?!
Ontem voltei a beber. Ando perturbado. Passar muitos dias sozinho, trocando apenas bestiais e curtas palavras indispensáveis com dispensáveis usuários, transtorna-me. Já desisti há muito de procurar algo de substancial nos conterrâneos. Prefiro este mergulho no self. Ma sim, claro, acordo transtornado.
“And now my life has changed in oh so many ways
My independence seems to vanish in the haze
But every now and then I feel so Insecure”
---*---
Elisabete entrou na sala vestida de um verde líquido. Quase verde alga... mas era uma rapariga de plástico. A curva dos seios, deliciosa. As ancas e a bunda, suculentas. Mas os olhos e o vestido eram verdes. E a pele verde. Uma puta angelical. Não era uma boneca real, era virtual. Mas dava para gozar imaginado, enquanto acariciava o tesão.
“I never needed anybody's help in anyway”
---*---
Escrevia com uma caneta florescente, enquanto as bailarinas saiam sorridentes da aula de dança. Rita, a sua filha, era uma delas. Chovia, como em Londres, não em Vilnius. Nada mais restava, de si e da sua linhagem de milhares de gerações, sem contar com primatas em estágios anteriores e outros antepassados mais longínquos. Mesmo tendo ficado pelo caminho uma milharda de cromossomas, Rita estava ali e era sua descendente. Era absurdo, mas essa coisa de passar os genes a alguém significava algo de especial para ele. Mas Rita era muito mais do que isso. E persistia assim também esse sentido de responsabilidade, no meio do caos e dos delírios: um chão.
“Help me, get my feet back on the ground”
---*---
Registava as divagações num diário, que os monges consultavam em Vilnius – o planeta lua de Elisabete e dos lugares (in)comuns. Sim, na verdade tudo se resumia a poder, ou aos seus símbolos. Existia de facto uma verdade, e não era bonita. Mas também existiam concessões – porque o tempo era infinito e o espaço sem limites. Daí a profusão de cantos e cantinhos onde se podia encostar, pelo caminho.
“And I do appreciate you being round”
---*---
Litrius leu o sermão do dia. A música dos Beatles ouvia-se na Capela. O fim do mundo anunciava-se e o pessoal pedia ajuda. Litrius não sabia nada disso – só sentia emoção, no seu cérebro reptiliano, e tinha um aguçado sentido auditivo e um aparelho vocal evoluído. Por isso fora o escolhido para recitar e cantar os sermões. Todos se extasiavam ao som da sua voz. Na sua túnica estavam representadas as suas vidas anteriores, mas nada se sabia sobre as futuras.
“But now these days are gone, I'm not so self-assured”
---*---
Sim, era uma fuga, dialética. Rita sorria. Ele continuava de olhar turvo e imerso – não se sabia onde. O relógio de pulso marcava o ritmo. Porque era aquele ritmo e não outro? Teria de haver fundamentação biológica e física, e qualquer coisa de realmente precioso.
Rita sorriu novamente “Papá, vamos comer um gelado?” “Sim, querida, vamos”, e baixou o volume do rádio.
“When I was younger, so much younger than today”
---*---
A mecânica de uma sensação é algo transcendente – une-nos à verdade por um instante, mas desliga em seguida precipitando-nos nas teias do poder, novamente. Amamos os animais de sangue quente, e às vezes os outros. Distinguir e contrariar o frio e o quente inventou o medo, e a segurança do reconhecimento do outro, e a excitação do toque e o sorriso de Rita. O toque do couro do animal sagrado, no caderno, e o fruto precioso que comia, devolveram a luz aos bares de Vilnius, com suas putas e bagaço, sem temperatura e com a passagem da lua que escondia os dias das noites. Enquanto se pintavam quadros vanguardistas na província e Rita atravessava a rua de guarda-chuva e caracóis volantes.
“Now I find, I've changed my mind and opened up the doors”
---*---
Tinha começado. Rita fazia de cisne no bailado. Era a sua mãe que ele dançava e o seu pai que fumava – fora o que ficara depois do Apocalipse.
“But now these days are gone, I'm not so self assured”
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Tammy Marinho

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MensagemAssunto: Re: Help me, e a invenção do tempo   Help me, e a invenção do tempo Icon_minitimeDom Out 26, 2014 10:49 am

Eu leio e releio... e tudo o que vejo é uma ficção científica com um quê de teoria da conspiração.
Mas só o fato de ter Beatles vale a releitura.

Te vejo em Novembro!
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Vinícius Tadeu




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MensagemAssunto: Re: Help me, e a invenção do tempo   Help me, e a invenção do tempo Icon_minitimeSeg Out 27, 2014 9:32 am

Uma das características do "realismo mágico" é deixar espaço para a imaginação do leitor, requisito que por certo seu conto atinge com perfeição; mas a outra é retratar a realidade do possível dentro do improvável e essa faltou. Mesmo em uma música conhecida, que em tese dispensa tradução; por técnicas de literatura os textos em outros idiomas devem ser seguidos da tradução, dispensando-se apenas as muito óbvias, o que não é o caso. Desejo sucesso!
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zizgz




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MensagemAssunto: Re: Help me, e a invenção do tempo   Help me, e a invenção do tempo Icon_minitimeSeg Out 27, 2014 1:54 pm

Obrigado, Vinícius. Em relação à tradução, eu concordo parcialmente. Acho que pode vir em nota a tradução, mas no próprio texto, se o autor assim o entender, e se para si o texto tiver significado noutra língua, acho que é legítimo manter o original. Abraço
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Ademar Ribeiro

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MensagemAssunto: Re: Help me, e a invenção do tempo   Help me, e a invenção do tempo Icon_minitimeSeg Out 27, 2014 8:07 pm

Oia essa poesia, você utilizou de rimas propositadamente para dar melodia ao texto? Isso ficou muito bom. Acredito que este texto entra em três subgêneros: Space Opera, Sci-fi e Aventura. Assim como Vinícius ressaltou faltou o "realismo". Mas o importante aqui é o texto e ele ficou bem conduzido, e melódico. Parabéns.

Ah, tu esqueceu de compartilhar este texto la no grupo.
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Indy J

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MensagemAssunto: Re: Help me, e a invenção do tempo   Help me, e a invenção do tempo Icon_minitimeQui Out 30, 2014 8:40 am

Tananananam!!!!!!!!!
Uau, uau. Achei muito boa a poesia e a maciez como o texto foi conduzido, embora não tenha enxergado muito o que ocorreu nele. Talvez tenha sido essa a intenção do autor, né!
Só não senti muito a música no conto, fora a questão de estar transcrita. Não me pareceu muito "inspirada" ou "baseada"... talvez uma leve espiritualidade da música tenha sido trazida ao texto, mas LEVE.
Pra mim, a perfeição deste conto seria o desenvolvimento das coisas que estavam acontecendo, qualquer dica que mostrasse que não é só uma brisa doida que tá sendo narrada, sabe?
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zizgz




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MensagemAssunto: Re: Help me, e a invenção do tempo   Help me, e a invenção do tempo Icon_minitimeSex Out 31, 2014 10:14 pm

Acho que você tem razão, Indy. Faltou desenvolvimento.
E, Ademar, não foi propositado, mas nos últimos anos escrevi muita poesia, sobretudo em inglês, e talvez já seja quase instintivo. abraço
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MensagemAssunto: Re: Help me, e a invenção do tempo   Help me, e a invenção do tempo Icon_minitime

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