Beijo infernal

    Kaila entrou no pequeno inferno. Era dia dos namorados, a maioria dos casais estava em sua noite romântica. O que a deixava sem muitas opções. Nem mesmo se deu ao trabalho de ler o nome do lugar. Tinha fome e qualquer lugar cheio de jovens bêbados era o lugar certo. O bairro era pobre, sem fiscalização policial. Uma morte ali não assustava ninguém.
    Era o paraíso da alimentação.
    Ao mesmo tempo, era um inferno para qualquer um que tivesse um nariz mais apurado. O lugar cheirava a suor, drogas, vômito e sexo. Não parecia importar para qualquer outra pessoa ali. Não era mais do que o inicio da madrugada, mas todos já estavam longe. Os olhos estavam vidrados, pupilas dilatadas, o corpo entregue ao som das batidas...
    Sentia falta dos elegantes corpos bem vestidos, dos lugares luxuosos, onde a comida era sempre saudável e disposta. Infelizmente em noites românticas como esta o amor prevalecia sobre as almas e ninguém procurava um ménage como nos dias comuns. Uma pena.
    Em sua calça de couro e espartilho negro estava vestida demais. Destacava-se na multidão, o que era bom. Os olhares de desejo chegavam aos montes. Kaila começou a caçada. Precisava de alguém forte, saudável. Alguém apetitoso. E para felicidade de seu coração já fraco de fome, não demorou a encontrar o que queria.
    Em um canto escuro e escondido, suas duas presas se esfregavam e se beijavam sem o mínimo pudor. O cheiro que vinha deles era apenas de bebida e desejo. Nada de amor, paixão ou qualquer sentimento de união. Excelente. Aproximou-se da dupla e começou a se enroscar com eles. O efeito foi rápido. Em segundos ambos estavam loucos para tocá-la, desejando um beijo, um toque... Qualquer coisa que acalmasse o desejo que possuía seus corpos.
    Depois disso foi rápido. Sempre era. Em segundos os levou para o beco frio e vazio ao lado do clube. Pressionou os corpos contra a parede e soltou um simples comando:
- Me beijem.
    Os dois vieram em sua direção, lábios entreabertos, olhos fechados. E quando estavam a centímetros de distancia, Kaila abriu sua própria boca. Os dois corpos congelaram, sons de dor escapando de suas gargantas. E então, começou. Qualquer humano que olhasse, não veria nada. Apenas os olhos de Kaila e de outros como ela eram capazes de enxergar a pequena fumaça azulada que saia de suas bocas, indo em direção à boca faminta de Kaila.
    Suas vidas. Suas almas. Ambos choravam, sofrendo uma dor mortal. A pele começou a murchar e secar, os cabelos caiam. Os jovens saudáveis davam lugar a figuras de pele seca e ossos frágeis. Não eram apaixonados. Suas almas estavam livres, não presas. Por isso eram o alvo perfeito: qualquer casal apaixonado não teria alma livre. Suas almas não pertenciam a eles, mas aos seus amantes. Um saco.
    Os corpos sem vida caíram no chão. Zumbis teriam uma aparência mais bonita. Mesmo assim, Kaila beijou os lábios de ambos antes de partir. Um pequeno agradecimento. Viveria um dia mais graças a eles. E então, deveria sua vida a outro belo casal.