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 A História de Lily Braun

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Tammy Marinho

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MensagemAssunto: A História de Lily Braun   A História de Lily Braun Icon_minitimeDom Jan 25, 2015 9:33 am

No último espetáculo do Mundo Mágico do Grande Maestrini, a platéia não tardou a ter as faces tomadas por um semblante de perplexidade. Não era o espanto comum a um show de mágica. Não havia magia. Havia apenas um sangue espesso e escuro que gotejava entre as caixas, como se a assistente realmente tivesse sido partida ao meio.
Diante da platéia espantada, o jovem mágico sorriu e lentamente afastou as duas caixas sem ao menos se dar conta que do ventre aberto começaram a pender as entranhas da mulher. Elas desciam lentamente com sua viscosidade escarlate num elo sangrento entre a magia e a morte.
Em frente à escabrosa cena, a platéia, antes apenas perplexa, ao confirmar a atrocidade assistida: apavorou-se. Em desespero eles se ergueram buscando encontrar uma rota de fuga. Não corriam perigo era verdade, mas precisavam livrar os olhos da horrenda cena.
Os poucos que não se ergueram, estavam dominados por terríveis acessos de vômitos ou desfalecidos e a mercê do pisoteamento da multidão.
Em meio ao picadeiro, o jovem mágico que agora tinha consciência da fatalidade ocorrida, estava sentado no chão, com um tremor que impedia-lhe de erguer-se e uma palidez que fazia de sua pele quase translúcida. Não falava, nem se movia, somente tinha os lábios numa brancura de morte e a mente mergulhada na mais completa escuridão.
O público desesperado era apenas vultos de suas vertigens, quando General Pancho tropeçando em seus grandes sapatos de palhaço, aproximou-se com o cantil de aguardente e meteu-o na boca do rapazote na esperança de acalmá-lo.
O show de horrores que tomava a arquibancada através dos gritos lancinantes, dos tombos sobre as cadeiras e do estalar dos ossos pisoteados e esmagados, se transfigurou no palco, mesmo que com menos caos. No centro do picadeiro a brancura de Maestrini espumava pelos lábios, enquanto com as mãos ao ventre ele se contorcia, e as lágrimas escorriam no tapete vermelho aveludado que encobria o palco de madeira. Não muito longe dele General Pancho padecia das mesmas dores, e ouvia os gemidos lamuriosos daqueles que atrás da cortina também estrebuchavam.
Na estrada as sirenes da polícia se aproximavam ao longe, enquanto agitados muitos dos que assistiram o primeiro ato mortal do espetáculo choravam e cochichavam sobre a terrível cena.
Debaixo da lona o cenário era calamitoso. Os corpos pisoteados jaziam ali, ao menos em duas dúzias e meia, no picadeiro o grande astro do circo tinha o rosto enterrado numa espessa poça de saliva espumante.
Mas alheia a tudo, uma única criatura parecia não tomada pela morte ou pela loucura. Era a garota ruiva parada diante da entrada, acariciando o ventre e agradecendo ao filho por não ser parte do espetáculo.

                                                                                   ***

Não havia muito tempo que o Grande Maestrini agora morto por arsênio após seu último truque, era ainda: o pequeno Alfredino Maestrini, único filho do célebre dono do circo que vingara.
Maestrini “o pequeno” não era homem dos espetáculos. Havia sim, aprendido quantos truques fora possível aprender, mas o ofício em si, nunca lhe havia seduzido. Era um rapaz inteligente e cuidava das finanças, e todos os assuntos burocráticos que estranhamente havia nos bastidores de um circo.
Passava a maior parte do tempo, trancafiado num pequeno furgão, mexendo em suas papeladas e seus números, sem amigos ou simpatia de quem fosse. Estava ali, entregue a sua burocrática vida de pseudo-contabilista quando ouviu duas batidas na lataria do furgão, ordenou que o visitante entrasse, e então se deparou com uma figura pequena e esguia que adentrou a penumbra com olhos amargurados.
Pelas feições não tinha além dos trinta, os cabelos ruivos, sedosos e brilhantes caíam em cascata sobre os ombros desnudos e o semblante de anjo era encoberto de infelicidade. Tinha os olhos levemente marcados pelo tempo, franzidos como de um felino selvagem e as sardas que dispunham sua cor de ferrugem sobre a pele rosada, dava a ela um aspecto de lince.
— Posso ajudar à senhorita? – questionou Alfredino ajeitando os óculos de armação circular.
— Eu temo que seja o único que possa vir a me ajudar – ela afirmou, apertando contra o peito uma pequena mala que só então fora notada pelo rapaz. — Ouvi dizer que o circo parte assim que a noite se preparar para ser dia. E quero pedir permissão para que me junte a trupe.
— E o que sabe fazer?
— Nada. – ela negou, meneando a cabeça e revelando escuros hematomas antes cobertos pelas madeixas alaranjadas.
— E por que pensa que eu acataria o pedido? – indagou Alfredino aguardando os lamuries sôfregos de uma esposa sofrida como sempre ocorria.
— Porque quando estive aqui com meu marido, três noites atrás, não tirou os olhos de mim. No caso de me querer me faço sua. E isso é tudo que cabe dizer.
Buscando na memória Maestrini recordou-se da deslumbrante ruiva. Três noites atrás ela realmente estava no circo, sentada ao lado do marido na primeira fila. Notara sua presença quando fora ter com o pai, e graças a ela pela primeira vez manteve-se por aquelas bandas durante todo o espetáculo. Ela desconhecia, mas mesmo em sua retirada Maestrini a tinha observado.
Estava fascinado pela maneira com a qual a via portar-se ao lado do brutamonte que ela chamava de marido. Durante toda noite pareceu imitá-lo. Eram sorrisos e gargalhadas que só saíam os lábios quando ele soltava as dele e que se escapassem por acidente, era imediatamente engolida ao primeiro olhar repressor.
Ela, com aqueles olhos quentes de fera, era uma presa acuada, uma criatura selvagem completamente domesticada e era isso que havia atraído os olhos do contabilista, três dias antes.
Embora parecesse pessoalmente mais arisca, Maestrini ao recordá-la, desejou-a pela sua obediência e bons modos.
— Traga tuas malas pra cá. – respondeu ele.
Ela consentiu com a cabeça.
                                                                                     
 ***


Nas duas primeiras semanas que sucederam a entrada da deslumbrante moça á trupe, as fantasias de controle do pequeno Maestrini começaram a tomar forma, e embora acolhida do passado violento, a jovem ruiva viu arrancada da raiz toda sua liberdade.
Para o seu novo “dono” deu o nome de Lily Braun, como a estrela de Chico Buarque, porque temia que o ex-marido viesse a descobrir seu paradeiro para outra vez tentar matá-la.
E fora esses temores passados que a vez sujeitar-se a todas as ordens e restrições impostas por aquele que lhe deu a suposta carta de alforria. Durante os dias permanecia a cuidar dos pertences de Alfredino, e a ninguém dirigia a palavra. Quando precisava abandonar o furgão, fora lhe cedido um véu negro para tampar os olhos de lince e as feições de anjo.  Usava o mesmo véu, quando era permitido assistir o espetáculo ao lado do marido. E a voz apenas se fazia audível através dos gritos abafados que lhe cortava os lábios, quando ao anoitecer, se submetia a todos os fetiches púberes que o contabilista nutria.

                                                                                       
 ***

Lily Braun estava habituada com o cotidiano de silêncio e reclusão, e mesmo com os olhares maliciosos que a despiam e que sem saber eram avistados por trás do véu que lhe escondia. Pois, Alfredino embora controlasse todos os passos que a ruiva dava no acampamento da caravana circense, tinha um prazer inenarrável de exibir a mulher como um pomposo troféu.
Era ele quem escolhia as vestimentas provocativas que ela devia usar nas noites de espetáculo, sempre destacando o que ele apontava como trunfos femininos. Isso quando tomado por um acesso de exibicionismo, ele não tomava a protegida em campo aberto, e saciava-se dela aos olhos de todos, deixando encoberto apenas o rosto.

Deitada numa cama improvisada ao fundo do furgão, Lily sentia as partes arderem após nova selvageria do pequeno Maestrini, e num choramingo baixo agradecia a ausência do marido de conveniência. Nutria por ele um ódio tão silencioso quanto eram os seus dias. Pensava cotidianamente em matá-lo, mas recordava-se que nada sofria, exceto as consequências da bestialidade sexual ao qual por vezes o rapaz deixava-se levar na sua ânsia de poder.
Os sons daquela noite não eram tomados pelos aplausos da platéia, mas pela retumbada dos trovões e pelo tilintar metálico da chuva caindo sobre o teto do veículo.
— Bendita chuva. – Lily murmurou de um modo que mesmo na presença de outrem, apenas ela poderia ouvir.
Lentamente, ela ergueu-se do chão encoberto por um conjunto de lençóis, e avistou a chuva que alagava a estrada. Finalmente Deus voltara a atender uma prece sua. O temporal atrasaria o retorno do pequeno Maestrini, e ao menos por um instante poderia ser novamente livre.
Todo o circo dormia quando ela encarou a chuva, apenas numa camisola de cetim, com os pés descalços chafurdados na lama. Ela encaminhou-se para onde as feras do circo se abrigavam, porque era apenas com elas que tinha alguma familiaridade. Lily passou longos minutos, sentada próximo as jaulas, falando em murmúrios com os animais que abrigados do frio ignoravam sua presença. Terminou que ela mesma assombrada pelo frio resolvera voltar a sua reclusão.
Retornava ao aposento improvisado quando na entrada avistou um vulto parado na ponta oposta. Pode sentir o coração gelar, e um calafrio atravessar sua espinha. Pensou primeiro em Alfredino, que enlouqueceria se a encontrasse com as feições de anjo descobertas para que todos a visse. Mas sensível como era, o jovem não se arriscaria em tamanha tempestade, então, uma possibilidade ainda pior lhe arrancou a voz impedindo-a de gritar. Talvez o ex-marido tivesse imaginado sua fuga clandestina, perseguido a caravana e agora a aguardasse para findar sua vida.
Encharcada ela permaneceu onde estava, apenas fitando a sombra que a encarava com as pupilas faiscantes de um demônio. Estremeceu quando finalmente a silhueta andou para onde a luz iluminava precariamente, revelando a imagem do proprietário do circo, o velho mágico Grande Maestrini que num ato de clemência e gentileza estendeu uma toalha para a jovem aliviada.
— Então essa é minha nora? – questionou o velho, antes de ser silenciado pela beleza da jovem moça.
Lily não respondeu. Limitou-se a secar o corpo, e manter o voto de silêncio que tinha com Alfredino. Bom ou ruim, ele lhe dera abrigo da fúria de um marido violento e ela nada teria dito se Grande Maestrini não lhe recordasse quem realmente mandava na caravana.
Passaram o restante da noite conversando sobre o passado da jovem ruiva, e sua atual situação. E conhecendo o temperamento controlador do único filho, em momento algum o velho mágico colocou em dúvida o depoimento inibido e assustado da jovem.
Então quando incomodada pela umidade da camisola ela despiu-se rente ao mágico, Grande Maestrini ergueu-se e dirigiu-se na direção da menina.
— Também me quer? Por isso veio? – ela questionou num passivo conformismo.
Maestrini, o grande, não respondeu. Beijou no alto da testa de Lily Braun e segurando as mãos frágeis da mulher junto as suas disse que na manhã seguinte tudo seria diferente.

No dia seguinte quando Alfredino tratava com os adestradores, o velho mágico deu ordem para que buscassem Lily Braun. E que ela retirasse da face o funesto véu.
Não houve olhos que não se voltassem a ela quando a moça abandonou o furgão na companhia de Raimunda Donarte, a grandalhona, que fazia completa sombra a outra caminhando atrás dela com seus um metro e noventa e quatro e seus descomunais cento e cinqüenta quilos.
Raimunda era melhor amiga de Grande Maestrini, uma mulher de pulso e uma espécie de leão de chácara que guardava tudo o que o mágico tinha de valoroso. Por isso, quando Lily abandonou seu aposento na companhia da grandalhona logo souberam que o velhote, assim como o filho, caíra nos encantos da ruiva. Mas quando avistaram a criatura arrumada e descoberta, logo souberam o motivo pelo qual os Maestrini haviam caído perante ela. Era o rosto. O rosto de anjos que fazia com que as trombetas ecoassem quando ela passava na multidão.
Em menos de uma semana estava no picadeiro na função de assistente do célebre mágico, sobre os olhares rancorosos do pequeno Maestrini.
Embora percorresse todo o acampamento livremente, permanecia silenciosa; e exceto pelos Maestrini, apenas os bichos e Raimundo ouviam a sua voz. Isso revelou que seu silêncio mais do que uma imposição era condição real de sua natureza.
E fora esse comportamento recluso e distante o responsável para que nunca tivesse conquistado a trupe do Mundo Mágico do Grande Maestrini. No entanto, a tutela que o célebre mágico se dispôs a dar-lhe logo a levou aos holofotes. E não demorou que as pessoas fossem ao espetáculo, avistar suas feições de anjo e seus olhos de lince.
Porém, toda felicidade desmontou-se na manhã em que despertou em sua tenda, e ao buscar seu protetor encontrou-o como o mármore: Endurecido, acinzentado e gélido.

O cadáver de Maestrini ainda estava fresco sobre a cama quando absorto nos efeitos do álcool de seu cantil, General Pancho, o palhaço, avistou a assistente inconsolável que se debulhava em lágrimas nos braços de Raimunda Donarte.
Toda a vulnerabilidade da ruiva despertou uma espécie de comichão nas intimidades do palhaço, formigando e intumescendo o membro abaixo das largas calças.
Nos dias que se seguiram, não demorou para que os olhares maliciosos que já eram comuns para Lily Braun, a perseguissem a cada passo dado sob a proteção da descomunal guardiã. E menos ainda para que as mentes masculinas começassem em solidão, a confabular uma forma de deflorar a única fêmea ainda não castigada pelos anos na estrada.
Mas fora General Pancho que numa noite de bebedeira declarou que se a moça vivia à custa do circo, devia no mínimo servi-los. O homem robusto e rançoso discursou de modo acalorado enquanto excitado tocava o membro sobre as calças.
Não muito longe do grupo Alfredino Maestrini assistiu a formação do pequeno motim em silêncio. Tinha um sorriso sarcástico no rosto. Deliciava-se ao saborear a vingança que almejava. Nunca aceitara ser traído pelo pai, e menos ainda abandonado por sua esposa de estimação. Ela havia entrado no circo para servi-lo, e se não fosse dessa forma era melhor tornar-se presa para o abate.

O grupo de homens aproximou-se na tenda, onde a imagem assustadora de Raimunda Donarte encontrava-se apagada como por obra do destino. Seguiram em fila, e buscaram evitar qualquer som que pudesse despertar a grandalhona. Quando entraram na tenda encontraram Lily, adormecida no torpor de sua tristeza. Estava inteiramente nua, tinha o corpo de bruços, descoberto e a imagem do traseiro empinado e amostra para todos despertou a primitividade daqueles homens.
General Pancho tomou a frente. Sinalizou para que outros dois segurassem as mãos frágeis da garota, e usando suas próprias o palhaço afastou as pernas da jovem adormecida segurando-as rente ao chão e meteu-se entre elas pernas com uma voracidade bestial. De olhos repletos de lágrimas Lily tentou gritar por socorro, mas fora impedida pela mão do trapezista que a esganava por trás. Enquanto um dos adestradores enfiava na boca arreganhada o membro rijo que a adentrou até que tocasse o fundo da garganta. Sufocada, a jovem tentou morder a carne dura que tinha invadido-lhe a boca, mas uma pancada na cabeça fez com que desistisse. Tentou debater-se ao sentir que as intimidades se feriam, mas novos socos e tapas a fizeram desistir. Cedeu. Permitiu que oito criaturas primitivas abusassem do seu corpo, submetendo-o as mais animalescas e desumanas provações. Os oito apenas cessaram quando o último já sem forças tombou o corpo sobre o dela.
Em surdina Alfredino Maestrini enchia a mão com o próprio gozo, deliciado com as cenas animalescas que assistira vindas do que devia ser um grupo de seres humanos.
Quando o grupo abandonou a tenda, deixou para trás um corpo agonizante, e então cruzaram com Raimunda Donarte ainda escorada na parede numa dormência sem fim.
Somente na manhã seguinte deram-se conta que a gradalhona, para desgraça de Lily, havia morrido horas antes do abuso de causas naturais. O corpo descomunal fora abatido por um infarto fulminante.
Naquela mesma tarde o circo desmontou acampamento. Seguiram pela estrada, e nas proximidades de um riacho abandonaram seus mortos. Primeiro o corpo frágil e leve, de Lily Braun que ainda respirava, mas que pelo sangue perdido não viveria mais um dia. Depois o corpo cavalar de Raimunda que fora arremessado ao lado do de sua protegida.

                                                                                       ***


O incidente ocorrido a Lily Braun tornou-se no circo uma espécie de lenda urbana. Ninguém tinha completa certeza dos fatos. Havia quem achasse que ela e Raimunda tomadas de amores haviam fugido juntas para viver sua paixão em total clandestinidade, outros que a grandalhona matara a moça para então matar-se. Muito era o que se pensava sobre as duas, mas delas nada se falava.
Para evitar os falatórios, e a falência do circo, o pequeno Maestrini assumira a função e a alcunha do pai morto e para apagar as lembranças da moça com rosto de anjo, contratou para seu lugar um loira voluptuosa que atendia por Arabela. Deu a esta tudo o que fosse do desejo dela. Tornou-se dominado, e logo o Mundo Mágico do Grande Maestrini ganhava novos rumos assumindo apenas o nome de Arabela.

Quando o carro de som anunciou nas ruas a chegada do “Arabela Circus” prevista para o próximo final de semana, a mulher sentada na sala de espera do hospital local sentiu que o filho lhe comia as entranhas.

Era uma noite estrelada quando o circo montou acampamento da estrada e instalaram-se as tendas, e um grande galão de água fora posto entre os furgões para evitar a contaminação dos circenses por parte das águas ribeirinhas.
Encolhida no outro lado da estrada, a futura mãe observou toda rotina dos artistas. Suas bebedeiras descontroladas. Suas mulheres cansadas e abusadas cotidianamente.
Estava prestes a partir quando avistou a bela Arabela que nomeava o circo, sendo seguida por todos os lados, pelo rapazote magro e pálido que sumia debaixo da cartola e da capa de mágico.
Não era preciso aproximar-se para notar que Arabela era uma mulher rude e caprichosa, mas graças a sua volúpia conquistara a simpatia de ao menos metade da trupe. Deitava-se com quem queria, e quando bem quisesse. O companheiro pouco se opunha. E em sua condição de primeira dama do circo tinha seus pertences sempre em separado. Não bebia água apenas um chá de rosas silvestres, feito todas as manhãs, e mantido na pequena garrafa de tampa cor de rosa.
Durante os cinco dias que se seguiram, Lilian assistiu atentamente aos espetáculos, e um dia antes da última noite de shows retornou ao consultório médico com o pedido do entorpecente que ajudava a conter suas convulsões resultantes das seqüelas de uma grave lesão cerebral. Em uma sapataria local adquirira através de meios ilícitos uma quantidade considerável de arsênio inorgânico, usado no tratamento do couro.

Não fora difícil adentrar aos bastidores do espetáculo, bastou misturar-se as rameiras que eram chamadas para os festejos dos artistas. Então logo se viu circulando entre os beberrões, os tarados e os jogadores. Encaminhou-se para onde o galão de água estava instalado, e despejou sobre ele o frasco de arsênio inorgânico. Precisou circular ao menos mais alguns minutos até cruzar o caminho da impaciente Arabela que sem saber a surpresa que o destino lhe faria, apontou a moça para ajudar-lhe antes de entrar em ação.
— Você... – disse impaciente. — Me aperte o espartilho sem demora, depois me busque meu chá, pois preciso dele pra manter minha pele assim, melhor que a sua. – concluiu olhando com desdém a miúda ruiva com o rosto encoberto de sardas.
Lilian sorriu, e acatou o pedido. Isolada nos bastidores pingou quinze gotas do entorpecente sobre o chá. Seria o bastante para impedir que a moça pudesse reagir quando sentisse a serra lhe atravessar a pele.

Naquela mesma noite, Lilian de La Mares parada diante da entrada assistiu ao espetáculo e assim que as entranhas de Arabela tombaram do ventre aberto, sentiu que o Maestrini em seu ventre parava de lhe sugar as estranhas.
O show estava reduzido a gritos e corpos estendidos, quando pela primeira vez o filho lhe chutou o ventre em agradecimento. E em resposta ela agradeceu ao filho por não ser parte do espetáculo.
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MilaCR




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MensagemAssunto: Re: A História de Lily Braun   A História de Lily Braun Icon_minitimeDom Jan 25, 2015 11:49 am

Eis que temos Lily Braun uma autêntica femme fatale, mulheres sensuais, misteriosas e antes de tudo, fortes. Teu estilo de narrativa, para quem te acompanha desde o começo, está cada vez mais desenvolvido e apurado, mas confesso que gostaria de vê-la experimentando outras linguagens e outros estilos de contar história. Sabemos que quando houver oportunidade, veremos isso.
Gostei da forma como trabalhou a tensão, subvertendo do "quem matou?", erro comum dos gêneros policial e suspense. Porém, senti falta ainda da tensão de leitura: aquela sensação quase folhetinesca de esperar o próximo acontecimento e esperar de Lily Braun tudo.
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Tammy Marinho

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MensagemAssunto: Re: A História de Lily Braun   A História de Lily Braun Icon_minitimeDom Jan 25, 2015 11:58 am

[quote="MilaCR"] Eis que temos Lily Braun uma autêntica femme fatale, mulheres sensuais, misteriosas e antes de tudo, fortes. Teu estilo de narrativa, para quem te acompanha desde o começo, está cada vez mais desenvolvido e apurado, mas confesso que gostaria de vê-la experimentando outras linguagens e outros estilos de contar história. Sabemos que quando houver oportunidade, veremos isso.
Gostei da forma como trabalhou a tensão, subvertendo do "quem matou?", erro comum dos gêneros policial e suspense. Porém, senti falta ainda da tensão de leitura: aquela sensação quase folhetinesca de esperar o próximo acontecimento e esperar de Lily Braun tudo.[/quote="MilaCR"]

Outras formas de narrativa... hmm. Espero que eu tenha oportunidades e capacidade para assumir esse desafio futuramente.
E penso que não há ninguém melhor para falar da minha evolução - além de mim- do que você. Então, meu sincero agradecimento.

Eu de fato busquei sair do clichê "quem matou?" e ir pro "por que matou?"

E eu realmente tenho uma grande dificuldade com tensão/suspense.
Penso que minha facilidade com os dramas internos dos personagens se transfigura em dificuldade quando preciso construir uma tensão externa.
Por isso criei a Lily Braun pra ser alguém que quem não se espera muita coisa.
Assumo meu acovardamento em ir pelo caminho das flores  e não das pedras. Mas juro que entre as flores encontrei muitos espinhos e já me sinto vitoriosa por chegar no fim da estrada e ter um conto pra vocês.


Última edição por Tammy Marinho em Dom Jan 25, 2015 12:20 pm, editado 1 vez(es)
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MilaCR




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MensagemAssunto: Re: A História de Lily Braun   A História de Lily Braun Icon_minitimeDom Jan 25, 2015 12:03 pm

Nem te achei indo pelo caminho das flores não! Pelo contrário... o escritor de suspense às vezes recorre a vários clichês para se encaixar no tema. Dos textos que li por aqui, vi que ninguém procurou o caminho mais fácil, e isso é muito legal!
É claro que tens capacidade de outras narrativas. Reitero aqui: o teu estilo de texto está cada vez pessoal. Pessoal no sentido de que vc desenvolveu uma identidade própria e a desenvolve com muita competência.
Talvez as nossas dificuldades com suspense/tensão são problemas de compreensão de estética mesmo. Na faculdade falávamos sobre o suspense/terror e horror, gêneros com particularidades entre si, e realmente, nossas referências são visuais.
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Ademar Ribeiro

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MensagemAssunto: Re: A História de Lily Braun   A História de Lily Braun Icon_minitimeQua Fev 11, 2015 4:47 pm

Uau, o que dizer desse conto. Adorei a maneira Revenge que fez do seu conto. Uma ideia de vingança sempre é clichê, mas abordada de forma inteligente e sem pontas soltas torna mesmo o clichê muito agradável. O suspense foi diluído ao longo do texto, mas podemos enquadrar ele neste gênero, penso que policial alem do crime deveria haver investigações. Não foi o caso, então tanto Tema como Subgêneros estão de acordo ao meu ver. Reiterando o que Ramilla disse, sua narrativa esta se tornando marca registrada Tammy de se escrever. Todas muito bem parecidas ao menos destes textos mais recentes, assim como ela lhe desafiou eu também gostaria de ver uma escrita diferente, mais arquitetada, bom isso será uma experiencia já que definiu sua maneira de escrita. Meus parabéns. Adorei o texto e me arrependi de não telo lido antes. Mas há outros por vir.
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Tammy Marinho

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MensagemAssunto: Re: A História de Lily Braun   A História de Lily Braun Icon_minitimeQua Fev 11, 2015 9:40 pm

Ademar Ribeiro escreveu:
Uau, o que dizer desse conto. Adorei a maneira Revenge que fez do seu conto. Uma ideia de vingança sempre é clichê, mas abordada de forma inteligente e sem pontas soltas torna mesmo o clichê muito agradável. O suspense foi diluído ao longo do texto, mas podemos enquadrar ele neste gênero, penso que policial alem do crime deveria haver investigações. Não foi o caso, então tanto Tema como Subgêneros estão de acordo ao meu ver. Reiterando o que Ramilla disse, sua narrativa esta se tornando marca registrada Tammy de se escrever. Todas muito bem parecidas ao menos destes textos mais recentes, assim como ela lhe desafiou eu também gostaria de ver uma escrita diferente, mais arquitetada, bom isso será uma experiencia já que definiu sua maneira de escrita. Meus parabéns. Adorei o texto e me arrependi de não telo lido antes. Mas há outros por vir.

Obrigada pela leitura e pelo comentário.
Sei que deve ter sido demasiadamente difícil arranjar tempo livre em sua rotina ocupada, então, meus sinceros agradecimentos.

Foi bem desafiador entrar no tema, e saber que consegui me deixa deveras contente.
sobre o desafio, penso que em breve eu ei de cumprí-lo.

Obrigada...
Até mais ver
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