Zanzava o frio vento no calor do madrugar, o brilho das estrelas, as pueris gotas de chuva e a meia luz lúcida incitava a cancha a fim de despertá-la, pois a formosura dos tutanos ali presentes cometia ajustar os encardidos sorrisos daquela gente, que em deuses e semideuses teimavam confiar.
Foi no aludido anoitecer límpido de cândido luar, que Júpiter, benfeitor dos deuses e dos homens, encantou-se pela graça e formosura de Sêmele, princesa tebana, enfeitiçando-a com sua ternura gatesca, a navegar e fecundar com seu raio célico uma semente que mais tarde estaria a abrolhar, aquela cuja essência se enleava com a existência que germina das entranhas da terra, e cuja sorte se dera por um gesto de amor e drama de um pai; estava o destino a proclamar na friúra alvorada, o vindouro nascer, do Deus do prazer.
Juno, protetora dos afetos castiços e da constância nupcial, ao ter ciência da perfídia de seu cônjuge e consangüíneo, tornou-se excessivamente ciosa e invasiva e a fim de satisfazer sua ira, arrazoou um adágio objetivando a destruição daquela que a Jove veio deslumbrar. Deliberou então transformar-se transitoriamente em Béroe, a ama da acenada princesa, para insinuar que talvez o nascituro não fosse concebido pelo anfitrião do Monte Olimpo, mas sim por um bucólico mortal, que almejou apenas o seu enganar.
Com tal falácia, Sêmele foi coligida pela Deusa a solicitar que seu amante lhe aparecesse em todo esplendor, como exata majestade divina, a vestir sua panóplia inferior, todavia Jove logo lhe avisou do perigo que poderia acarrear se cumprisse tal favor, entretanto a nobre moça por mais nada se interessou, nem mesmo ao aviso de seu grande amor.
Sendo assim, ele que já havia prometido perante o mais temível rio, jamais contrariar um desejo seu, a deixou só por alguns instantes e decidiu retornar ao céu para que pudesse se vestir com o seu mais soberbo lanço, e findo o seu arrumar, para os aposentos da princesa pôde retornar, contudo uma tragédia se fez adentrar, pois a ingênua mortal não foi capaz de suportar a radiação que seu Deus logrou a emanar, e antes que para o reino de Plutão fosse andarilhar, o gentil pai arrancou do ventre de Sêmele, o filho que estava a brotar, para que o pudesse costurar em seu possante membro e a gestação terminar.
E assim veio ao mundo Baco, da coxa de Júpiter, motivo que fez com que sua mortalidade declinasse, transformando- o em um Deus, pois se de Sêmele rebentasse, semideus estaria fadado a ser, uma vez que de uma mortal terminaria por nascer.
Ainda miúdo, por prudência de Jove, foi entregue aos cuidados das Deusas subalternas dos flúmenes e mananciais, que personificavam a fertilidade das forças da mãe natureza, eram elas as ninfas Níseas, alvos botões de rosa de admirável formosura e afabilidade, sempre coroadas de pérolas, tinham em mãos conchas e flores das mais finas searas, usavam trajes diáfanos a mostrar suas ternas composições, algumas possuíam asas, mas todas o dom de seduzir até o mais inacessível ser.
As Níseas nutriram e trataram da infância de Baco, e este convivendo entre as mais admiráveis e charmosas criaturas, ao crescer tornou-se senhor dos Rituais da Meia-Noite, aqueles que ao rufar de tambores, ao aroma de hortelã, e ao conduzir de coreografias demasiadamente libertinas, fazia com que a dança se tornasse algo mais bestial que propriamente compassivo, já que os corpos roçavam uns contra os outros de maneira fluentemente bárbara, a evocar sortilégios e trepidações em tom uníssono com a natureza, perpetrando os mais lascivos anseios e carícias entre o Deus e suas indiscriminadas ninfas.
Foi em uma dessas festividades que pôde conhecer Aura, a ninfa que personificava o zéfiro, era tão célere quanto o vento, bem como relutante e adversa às tentações do amor, orgulhava-se de sua castidade e transformava qualquer um que tentasse tocá-la em decrépitos corços. Sua beldade e obstinação avocaram a atenção da divindade, que curiosamente, pela primeira vez, pôde sentir-se cativado, posto isso, não sossegou até que a tivesse em seus braços, entretanto temia aquele seu zangar, e por isso, depois de muito arrazoar, ligou sua fonte e em vez de água, vinho a completou jorrar, fazendo a donzela então se embebedar.
Embriagada Aura estava e caída em um pomar, momento propício em que Baco decidiu se aproximar, indefesa e inconsciente, ela não pôde relutar e então amada foi até o dia esquentar. Quando retornou a consciência e nua se viu a prostrar, sua cólera terrível a fez assassinar, e os briosos animais então tiveram que pagar, aquela sua sanha que parecia nunca ultimar.
Baco permanecia na montanha a observar, aquela sua garota, que continência jamais tornaria a esbanjar, mas após aquele crepúsculo, não podia mais negar, seu coração se fez refém daquele, que acreditava apenas Aros poder assentar. Decidiu abordá-la e apenas com um olhar, Aura não conseguiu mais da ira se afamar. Então decidiu articular:
– Será que te aprazo ou só te atraso?
– Ou será que apraz com um dom de atrasar? – disse Aura enfeitiçada pela pureza daquele olhar.
– Talvez tuas palavras possam me roubar, quem sabe até me apaziguar.
– Pois que meus sortilégios te façam encantar e arrancar de tua alma um sorriso a ninar.
– E se acontecer de te ter novamente eu vir a querer?
– Oras teimoso ser, basta espargir em meu coração pueris colóquios de tua sinfônica canção e assim estará a ganhar a chave de minha execrada aluvião, mas a competição poderá desejar, desde que do teu olhar, eu possa sempre vidrar a contemplar e fascinar meu espírito a sempre te amar.
– Como podes dizer “me amar”, se sequer comigo chegou a sonhar? Se em veados gostava de transformar, aqueles que embriagados estavam por seu admirar.
– Deverás reconhecer que não sou a melhor a lhe dizer, pois que de sonhos acredito a vida ser, mas sei que apenas a pureza de tua alma poderá vir a trazer o que sempre almejei ter.
– Que lhe falta ter, que não o meu ser? A mim o que me resta querer se teus lábios juntos ao meu ainda não posso ter? Não da maneira certa, com a sua vontade, ao pôr de um confino Sol.
– Meu amado guardião, há de entender que não posso te ter, nossas vidas são diferentes, mesmo lhe desejando ardentemente, oportunamente agora descobri que casta não poderia mais seguir, nem irada poderia lastimar, pois o homem certo pude eu encontrar.
– Suntuosa dama, devo-lhe dizer que as vidas diferentes só restam a causar beijos mais quentes. Dos teus lábios almejo provar, todo o mel que tendes a dar, mas me impede apenas de te amar, a dúvida se certo será.
– Tudo nesta vida são erros, e isto a faz valer e ser, eu hei de saber medir, teus lábios beijar, sem jamais te inundar.
E assim a ária entre os dois companheiros finalmente principiou a tocar, mas a ira de Júpiter não pôde nunca terminar, posto que Aura seria a próxima a vitimar, e um filho dela ele almejava rebentar, motivo que levou uma maldição para sempre ecoar, eis que todo vinho que nascesse, em água iria se transformar e sozinho estaria eternamente, quando sua consorte pelo destino, para Plutão obrigada fosse a marchar.
TEXTO DE HELOÁ!