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 Desolados - Episódio 2

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Ademar Ribeiro

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MensagemAssunto: Desolados - Episódio 2   Desolados - Episódio 2 Icon_minitimeDom Ago 31, 2014 11:22 pm

São Bernardo do Campo - SP, Brasil
01º dia

Amanda cochilava. Já havia acordado com o despertador do celular, mas ativou o modo soneca e aproveitou mais alguns minutos, quando gritos agoniados a chamava na cozinha fazendo-a pular da cama. A garota levantou-se ainda usando um tapa-olhos de dormir com tema Angry Birds e uma camisola de cetim branca com rendas. Retirou a máscara e procurou localizar-se. Bocejou e praguejou algumas palavras. Partiu ainda zonza do despertar repentino até o local do desespero. Iraci sua empregada estava desnorteada assistindo ao noticiário das 6:30h. O jornalista e apresentador Rodrigo Bocardi tecia comentários sobre um terrível acidente aéreo naquela madrugada.

– O que foi mulher? Porque essa gritaria toda logo cedo?
– Veja você mesma dona Amanda! - apontou a doméstica para o pequeno aparelho televisor sobre uma bancada.

"...Ainda não se tem uma ideia do número de vítimas do terrível acidente aéreo, estima-se que mais de 5.000 pessoas estavam trabalhando nesta noite no Polo Petroquímico Capuava..."

– Senhor Jesus!

"...As chuvas que ser formaram após a colisão do Boeing a refinaria ainda não cessaram e agora varre metade da cidade paulista e se direciona para a região sudoeste da cidade..."

Os três aparelhos celulares de Amanda tocavam simultaneamente, uma sincronia de toques, todos do gênero sertanejo.

"...Pessoas deram entrada em hospitais da região após o contato com as chuvas. Há relatos de queimaduras e alteração de comportamento na grande maioria dos acometidos...”

“...Ouve tumulto em vários hospitais de Mauá e Santo André, regiões metropolitanas de São Paulo. A polícia tentou intervir contra estas pessoas de comportamento agressivo, mas só gerou mais tumulto e pânico.” - completou o ancora.

Uma apresentadora correspondente trazia notícias ao vivo geradas próximo a Santa Casa de Misericórdia de Mauá. Onde havia uma grande aglomeração de ambulâncias, voluntários e curiosos.

“...Esta madrugada os hospitais e postos de saúdes estão lotados e sem recurso para atendimento. Os feridos estão sendo transferidos para as cidades de Santo André, São Bernardo do Campo e Ribeirão Pires...”

Um tumulto se fez próximo a repórter, pessoas corriam e gritavam, todos espremidos ali debaixo da marquise se protegendo da tal chuva.

“...Como vem, as chuvas não cessaram, e a quantidade de pessoas queimadas por ela não param de chegar...”

Outro tumulto, desta vez dento do hospital. Pessoas corriam, a apresentadora pediu para ao cinegrafista para capturar algumas imagens. O segurança disparou dois tiros dentro do hospital.
De volta aos estúdios o apresentador alertava a população quanto ao tráfego e o perigo com o contato com as chuvas.

Os celulares continuaram com seus cantarolar típico caipira universitário.

"... A população está em desespero, muitos parentes doentes foram levados para casa, mesmo com a ordem de todos se trancarem e deixar os doentes na rua..."

– Alô!
– Amanda!
– Oi Nelson!
– Está assistindo à televisão?
– Sim. Que horror!
– Pois bem, quero essa matéria para capa até às 12h.
– Que? Nelson! Como farei isso?
– Se vira. Use seus meios. Dá seus pulos. - ironizou o chefe da redação.

Amanda desligou o telefone e correu para o chuveiro, ligou o rádio e tomou uma ducha quente enquanto Iraci preparava seu café da manhã. Ela vestiu um jeans azul, um scarpin salto baixo preto e uma camisa listrada de seda. Preparou a maquiagem, passando um blush básico, um lápis nos olhos castanhos e inchados, um batom coral. Pegou seu Ray Ban, sua bolsa e chaves do carro. Foi até a cozinha, furtou duas peras, uma garrafa de água na geladeira e se despediu de Iraci, que ficou ali segurando o bule de café fumegante.
Amanda correu para a garagem do prédio e se dirigiu ao seu carro, um modelo Sportage branca. Fazia calor naquela manhã. Ela ainda tonta com a enxurrada de notícias já planejava a pauta, mas antes era necessário inteirar-se do que estava rolando. Precisava digerir as informações já existentes e recontar os fatos como só ela conseguia. A moça ligou sua SUV, engatou a marcha ré, acionou o controle para abrir portão da garagem, sintonizou a CBN, engatou primeira e disparou rampa acima.

"... São Paulo está infestada de civis alucinado, pessoas estão sendo atacadas, os doentes estão comendo pessoas. Meu Deus, isso é uma loucura..." - narrava o radialista impressionado.

– Mas que loucura! Isso é surreal. - falava Amanda com seus botões enquanto pegava seu aparelho celular.

Ao ligar ela notou a linha muda, o aparelho estava sem sinal, tentou o segundo aparelho corporativo de outra operadora e também sem sucesso o arremessou no banco do passageiro.

– Só faltava essa! - resmungou encarando sua bolsa.

Amanda pegou o terceiro aparelho. Sua linha particular, deslizou o dedo sobre a agenda e realizara a ligação.

– Atende, vamos!
– Alô Amadinha! - atendeu uma voz grave do outro lado da linha.
– Oi, como você está? Que loucura toda é essa?

Amanda sincronizou sua chamada celular ao rádio do carro.

– Não sabemos ao certo, mas parece que o acidente no Polo Petroquímico Capuava causou uma chuva química, uma chuva ácida como estão dizendo por ai. As pessoas estão adoecendo.
– Alex, mas aquele negócio dos civis enlouquecerem e sai por ai mordendo os outros. O que é aquilo? Síndrome do cachorro louco?
– Como você é má! Não sabemos ainda, todo o contingente aqui da DP está na rua, alguns policiais também foram mordidos por estes civis e adoeceram como eles.
– Quer dizer que a loucura é contagiosa?
– Parece que sim! Aqui em São Paulo recebemos ordem de atirar nas pernas para neutralizar os acometidos caso haja insubordinação durante uma blitz.
– Meu Deus! - se espantou Amanda. – Alex, tenha muito cuidado. Me mantenha informada caso descubra algo mais.
– Pode deixar Amadinha, e você se cuida também. O melhor a fazer hoje é não sair de casa.
– Hum, sabe como eu sou, não posso perder este furo.
– Eu te conheço muito bem. Só peço que tome cuidado!
– Pode deixar. Beijinho. - desligou Amanda já deslizando o dedo na agenda telefônica.

Um toque, dois toques, três toques, quatro toques... Nove toques. Amanda resolvera ligara para um outro número, uma outra fonte.

– Alô gritava uma voz rouca e embargada do outro lado da linha.
– Raquel querida. Tudo bem aí?
– Amanda estou no meio desta loucura. Estou vendo pessoas mortas em todo canto, isso aqui tá virando uma faixa de Gaza.

Amanda anotara as palavras mais contundentes.

“Pessoas mortas” "faixa de Gaza"

– Você está ao vivo?
– Sim, fizemos algumas imagens, mas agora estou na van, eu e minha equipe foi cercada por estes ensandecidos aqui no centro da capital.
– Meus Deus Raquel! Já avisaram a polícia?
– Sim, mas eles não sabem quando vão chegar, disseram que todos os policiais estão nas ruas e que há milhares de ocorrências em andamentos desde a madrugada.
– E como você está ai?
– Estamos na Avenida da Consolação com Avenida Paulista. Um bando destes paranoicos nos cercou quando fazíamos uma entrada ao vivo. Estamos dentro da van, eles parecem não raciocinar muito bem, ficam lá fora se debatendo e socando a lata do carro sem objetivos, apenas o fazem.

"Um bando” “Parecem não raciocinar"

– Você tem alguma imagem?
– Sim fizemos algumas, lhe mandarei em breve. Mas olha, quero créditos ouviu? E por ai? Como está tudo?
– Aguardarei o vídeo e sim terá seus créditos pelas imagens. Estou acordado ainda, essas notícias me pegaram de surpresa. Me tiraram da cama, literalmente.
– Amanda, os especialistas meteorológicos estão dizendo que os ventos estão arrastando as chuvas para São Bernardo do Campo, sentido litoral. Todo cuidado é pouco amiga!

"Ventos estão arrastando as chuvas" “sentido litoral”

A moça retirou seus óculos e congelou. O céu estava acinzentado, num tom quase negro, há pouco fazia sol, mas as lentes escuras iludiram-na. Provavelmente cairia o mundo em questão de minutos.

– Raquel, vai chover já, eu não havia percebido. Esta chuva é a mesma chuva que varre o local do acidente?
– Muito provavelmente. Segundos os meteorologistas ela viaja com o vento, que estão apontando para sudoeste. – explicou Raquel. – Se cuida ai e evite andar na rua. Se possível volte para casa e trabalhe por lá.
– Tentarei amiga, tentarei! Estou preocupada com você Raquel.
– Relaxa. Aqui está tudo sob controle, esses malucos não vão entrar na van, se o negócio piorar por aqui o Julião vai arrancar com van pra cima deles.
– Nossa. Cuidado por favor. Se cuida preciso desligar.
– Pode deixar. Você também cuidado por ai!

Chegando na avenida Brigadeiro Faria Lima o transito havia parado e sem sinal de progresso. Os condutores saíram de seus carros e perambulavam pela pista num estado de impaciência. Amanda estacionou em uma calçada, ligou o pisca-alerta e abandonara o carro. Correu pela via, corria lenta e desajeitada por entres os carros. Pretendia tomar o Trólebus.

– Malditos scarpins.

Uma gota atingira seu braço, uma vermelhidão quase de imediato se fez, seguido de uma coceira e uma leve ardência. Amanda olhou para o céu e outra gota o atingira na blusa formando uma mancha cinzenta no nobre tecido.

– Minha Dudalina não merda!

Amanda correu até uma padaria onde um grupo de pessoas se amontoavam. A chuva começou a desabar, pessoas corriam gritando pela rua, com suas peles inflamadas em ardência. A padaria foi tomada por inteiro, por pessoas se abrigando das chuvas. Na televisão Cesar Filho comentara sobres as cidades acometidas pelas chuvas acidas.
O desespero era tanto que as pessoas que tentavam entrar na padaria brigavam com as que estavam do lado de fora. Um rapaz corpulento espancara um homem que usando da força empurrou um senhor de idade na chuva. O grandalhão fechou uma das portas do estabelecimento e ajudou o idoso a se levantar. Não cabia mais ninguém dentro do estabelecimento. O dono trancou as portas de vidro. E o povo se aglomerava feito um Metrô lotado num horário de pico.
Lá fora, aos poucos o toldo da padaria servira de guarita, em poucos minutos a calçada se enchera de pessoas aflitas a fim de se protegerem da tal chuva. Homens e mulheres batiam na porta de vidro temperado, na tentativa de invadir o estabelecimento.
Gritos de horror se faziam entre a multidão lá fora, dentro um silencio sepulcral. Lá fora o grupo se dispersava se aventurando nas chuvas. Pessoas corriam forçando maçanetas de carros parados no trânsito, alguns mais solidários acatavam enchendo o carro com estranhos. Os poucos que ficaram sob a calçada socavam a porta de vidro do estabelecimento. Três pessoas aparentemente normais andavam aleatoriamente, molhados e com os cabelos colados no rosto, seguiam devagar em uma marcha desajeitada. Uma jovem mulher aparentando seus 20 anos olhava para o além, seus olhos se perdera em um horizonte infinito, ela caminhava devagar, um de seus saltos havia quebrado e ela claudicava. As pessoas aflitas encaravam aquela bela criatura. Seu rosto estava vermelho, seus olhos brancos e sua alma havia a deixado.

– Ei menina sai daqui, se afaste gritou um senhor rechonchudo.
– Coitada, está toda molhada, provavelmente foi pisoteada. - disse uma senhora bem arrumada, mas míope. – Venha garota, está chovendo muito, vem aqui com a gente.

A bela garota ficou parada alguns segundos, girava cabeça e sentia calafrios. Até ouvir o chamado da senhora. Seguiu a passos lentos levantados os braços. A senhora gentil como uma Mãe afastou os braços para um abraço acalorado a frágil menina. A garota de roupa colada encharcada seguiu descoordenadamente, subiu a calçada se direcionando a nobre a senhora. As outras pessoas que se ali se encontravam, afastou-se da cena, mas sem deixar a cobertura de lona.
A senhora bela e bem produzida pegou na mão da jovem para conduzia-la, ao se aproximar foi abraçada, um sorriso de satisfação se fez, mas este sorriso durou apenas alguns segundos. Uma máscara de horror, um semblante de dor e medo assumia a nobre senhora. A garota havia mordido seu pescoço e arrancara um naco de se músculo trapezoide. A senhora em pânico urrou de dor e desmaiou em seguida. A garota ficou ali incógnita, parada mascando aquela carne crua, vermelha com sangue escorrendo de seus lábios até o queixo e pescoço. A multidão dentro da padaria em espantado se afastaram para trás, esmagando algumas pessoas próxima ao balcão. Todos hipnotizados com a tal garota canibal. Quando outras duas pessoas enlouquecidas se apresentaram na porta de vidro com suas bocas ensanguentadas. Aos poucos Amanda saia de seu transe, os sons de choros, lamentos e gritos ecoavam dentro do estabelecimento. Lá fora, a chuva torrencial, buzinas e mais gritos cadenciavam um espetáculo à parte. Quase uma sinfonia infernal.
Amanda procurou seu celular dentro da bolsa e notou que o mesmo não havia mais sinal.

O padeiro dono do estabelecimento gritou ao homem musculoso para que ele fechasse a porta de ferro. As pessoas ali fora já não necessitavam de ajuda. Estavam condenadas, fadas ao destino cruel que Deus lhes impôs.

– Como farei sem sair daqui de dentro. - bradou o homem com certo receio no trabalho.

O padeiro lhe entregou um gancho para que ele puxasse a porta de enrolar através de uma fresta entre as portas de vidro deslizantes.
O homem se aproximou, a garota lá fora devorava a senhora distinta com a ajuda de outras duas mulheres. Dois homens ainda faziam guarita a porta olhando o interior da padaria, salivando, com os olhos perdidos, emitindo lamúrias incompreensíveis. Dedos tremules invadia a fresta, o pânico se fez dentro da padaria. O grandalhão passou o gancho por entre a fenda e golpeou a criatura na cabeça, que caiu já desfalecida. O rapaz deu sequência ao trabalho, encaixou a ponta do gancho no dispositivo da porta de aço, fazendo uma força descomunal deslizou-a para baixou. O padeiro lhe entregou uma chave tetra que logo usou para trancar a porta.

– O que faremos agora. - disse o grandalhão buscando os rostos aflitos?
– Bom, pra começar vamos manter a calma, estamos seguros agora. – disse um homem engravatado. - Pessoal tá muito apertado aqui. Senhor, poderia liberar o espaço ai atrás do balcão para nos aliviar um pouco?

O padeiro reuniu seus funcionários, recolheu o dinheiro e objetos de valores no caixa. Liberou a passagem de uma dúzia de pessoas por de trás do balcão. Aos poucos os espaços se fizeram aliviando um pouco o desespero daqueles cativos. Pessoas ainda choravam lamentando não ter ajudado os que ainda ficaram lá fora. Na televisão o noticia era o mesmo em as todas emissoras.

"...acidente aéreo mata 8790. Atualizada na última contagem...", “...explosão de refinaria já é a maior tragédia vista em solo nacional...”, "...acidente serio no estado de São Paulo causa surto psicótico...", "...Chuva ácida contamina civis...", "...Civis enlouquecidos atacam seus semelhantes nas regiões acometida pelas chuvas...", "...empresa seria não se responsabiliza pelo surto dos enlouquecidos...", “...Polo Petroquímico Capuava é acusado de manipulação química com risco biológico a população...", "...técnicos afirmam que a causa da chuva ácida e culpa do governo num ato velado de diminuir a superpopulação...", "...as novas cidades acometidas pela chuva entram em estado de alerta...", "...as chuvas já atingira o grande ABC e se desloca para o litoral sul do estado...".

Os sons gritos, sirenes, tiros ecoavam no ar num intervalo cíclico de poucos minutos, o medo estava estampado na cara de cada sobrevivente ali escondido.

– Pessoal diante de tal situação precisamos nos ajudar e nos organizar. Senhor Padeiro, guarde todos os alimentos dentro da cozinha e os mantenham lá dentro, precisamos raciona-los, não sei até quando vamos ficaremos aqui.
– Ei quem você pensa que é? VC não manda em nada aqui, não vai ficar me dar ordens aqui. - disse o grandalhão.
– Amigo não se exalte, a situação é delicada, já vimos o que tem lá fora. Se eu precisar ficar aqui, que seja, mas precisamos manter uma ordem, sem pânicos e racionar o alimento. Além de respeitar uns aos outros.
– Terá meus respeito se não ficar por ai vomitando ordens.
– OK. Desculpe meu jeito. Vamos apenas nos organizar. É só isso que peço. A propósito me chamo Alexandre!

O grupo se movera para um lado do estabelecimento enquanto alguns homens empilhavam as mesas de plástico otimizando o espaço, empilharam as cadeiras e arrastaram os dois freezers para dentro da cozinha.
Agora com mais espaço o grupo organizava as cadeiras como em uma plateia de frente para a televisão, acomodando metade das pessoas, entre crianças, mulheres e idosos. Os homens ficaram em pé ou sentados no chão.

Amanda fitava seu aparelho buscando sinal. O grandalhão sentou-se ao seu lado e lhe concedeu um sorriso de enviesado.
– Meu nome é Bill. Prazer. - disse o estendendo a mão.
– Oi, me chamo. Amanda.
– Esquece isso ai, já era. Derrubaram a comunicação, logo mais ficaremos sem TV também.
– Serio? Como pode ter certeza?
– Porque eu estava desativando antenas. Fui pagou para derrubar os sinais de celular. Segundo eles é necessário para impedir o transito de informações descabidas a fim de evitar um pânico generalizado.
– Eles quem?
– A prefeitura!
– E porque não contataram diretamente a ANATEL?
– Porque a empresa reguladora não admitiria tal feito.
– Malditos, como podem!

O relógio de parede acusava 13h quando as chuvas começavam a dar sinas de trégua.

As 14h Bill levantou a porta de ferro. O cenário que se via era desolador, frio e desesperador. Haviam pessoas jogadas aos montes na rua, grupos de ensandecidos se fartando de restos humanos, carros colididos. Torres de fumaças negras se criavam aos montes no horizonte. Todos os comércios haviam fechado suas portas. As pessoas saiam aos poucos, se revelando consternadas e incrédulas, se aventurando naquele novo mundo, naquele mundo onde o mal caminhava. Amanda se adiantou usando o celular para filmar e fotografar todo o cenário. Seu braço ainda coçava e ardia. Uma equimose se formara no local. Bill notou seu ferimento e varreu as ruas buscando uma drogaria.

– Ei! Você está bem? - indagou o Bill direcionando a cabeça para a vermelhidão no braço de Amanda.
– Sim estou, obrigada!
– Não é o que está parecendo. Esse machucado ai? Como conseguiu?
– Ah. Isso aqui? É uma queimadura. Me queimei hoje se manhã ao fazer café.

Bill apenas assentiu fingindo acreditar.

“Uma moça distinta feito esta não usaria uma camisa cara destas manchada no ombro.”

Observando os mortos ao redor, a mancha característica da camisa de Amanda se via também em algumas peças de roupas molhadas dos corpos que ali estavam. A lesão cutânea acompanhava quase todos os mortos ou enlouquecidos que perambulava há uma certa distância. Bill logo deduziu que a garota dos cabelos castanhos se queimou na chuva.
Amanda se dirigiu de volta ao seu carro. Bill apenas acompanhou com os olhos até ela se perder na esquina. Um barulho seco e corrido de ferro assustou todos ali. As pessoas começaram a gritar. Pedindo que o padeiro abrisse a porta de ferro. Os gritos despertaram alguns ensandecidos hibernados que começam a se arrastar pelas ruas e calçada. O grupo de aproximadamente 30 pessoas se dispersa, alguns são agarrados pelas mãos famintas dos acometidos. Bill munido com o gancho de ferro desferiu dois golpes na enorme porta, causando um estardalhaço ainda maior.

– Seu portuga filho de uma puta. Você ainda vai se ver comigo. - bradava Bill enquanto golpeava a porta de enrolar.

As pessoas correram sem direção definida, apenas corriam fugindo sabe se lá do que. Ao se virar e olhar para trás, Bill assistia as cenas grotescas produzidas pelos acometidos. Nada de repugnante se assemelhava a aquilo. Ele ainda segurando o gancho de ferro galvanizado, foi socorrer os aflitos. Usando a ponta da barra de ferro, Bill puxou pelo colarinho um homem desorientado, este se virou meio trôpego escancarando a boca cheio de dentes. O grandalhão segurou a barra de ferro com as duas mãos, e como um rebatedor de beisebol, acertou um golpe deslocando o maxilar do errante, fazendo alguns dentes voarem ao infinito.

– Nojento!

Outros dois ensandecido se dirigia até Bill, mais três a sua frente. Ele girava a barra de ferro acertando os predadores uma a um. Um grupo ainda maior chegava aos poucos, guiados apenas pelo barulho e a fome. As pessoas que estavam na padaria corriam como podiam, a maioria foi emboscada, os mais ágeis subiam nas marquises dos prédios e construções locais. Bill seguia violento e determinado, foi derrubando um a um, suas forças vazava como ar em um pneu furado. O grupo de acometidos parecia se multiplicar a cada minuto, o homem já exausto se apoiava no gancho que o salvara até ali.

Uma SUV branca acelerava pela calçada atropelando transeuntes perdidos. O carro atravessou uma rua engarrafada de carros abandonados até uma esquina, uma multidão de errantes se aglomeravam aos montes. A SUV disparou se chocando com o grupo. Corpos voavam se estatelando ao chão. Uma brecha fora aberta para que Bill saísse daquela enrascada. Mais à frente a SUV estacionou abrindo a porta do passageiro. Amanda gritou para o homem correr.
Alexandre que assistia a tudo sobre uma árvore, não perdeu tempo em descer e invadir o carro. Bill disparou correndo até o veículo, entrou quase que no mesmo segundo que Alexandre. O grandalhão ao lado de Amanda batia no painel do importado. Pelo retrovisor, Amanda estranhou por alguns segundos o carona inesperado no banco traseiro.
Alexandre suava frio e com um olhar de clemência pediu que ela prosseguisse a diante com o carro.
Amanda admirou Bill, ao seu lado. Ele estava mole e gelado, transpirava por todos os poros, sua camiseta colava em seu corpo, sua respiração era acelerada. Em suas mãos uma barra de ferro com um gancho e uma extremidade e na outra uma argola suja de sangue.

A moça acelerou a SUV seguindo pela avenida Brigadeiro Faria Lima, cortou o transito de carros abandonados invadindo a pista do TRÓLEBUS até o município de Santo André. O que se via nas ruas era bizarro. Rios de sangue e cadáveres. A dificuldade em passar em certos trechos da pista, não se dava ao transito, mas aos corpos que lá estavam jogados. Cada vez que um corpo obstruía o caminho, Bill descia do carro e os arrastava com o gancho desobstruindo o caminho. Ao chegar no centro da cidade, Amanda deixou Bill e Alexandre seguirem suas jornadas a pé. Então ela contornou pela rua Catequese e seguiu para o Diário.

O céu fora pintado de um cinza chumbo, nuvens giravam num cadenciar rítmico e monótono.

Bill correu até uma caminhonete abandonada, quebrou o vidro e procurou a chave reserva dentro do veículo, sem sucesso, tentou um outro carro, este estava aberto, e dentro uma mulher gemia, seu ombro e pescoço foram dilacerados. Ele a retirou do assento. A pobre vitima acreditando no socorro eminente foi deixada na rua. O homem a encarou, jogada ao chão e esvaindo em sague ele acionou o motor 16 válvulas do hatchback e disparou fugindo das responsabilidades.

Alexandre ficou ali assistindo seu mundo virar de cabeça para baixo. Justo agora. Ele tinha passado no exame da ordem dos advogados, enfim seria um como o seu pai. Mas o mundo conspirou contra. O engravatado foi até um mercadinho, estava abandonado e fora saqueado. Tudo estava uma bagunça só. Ele pegou duas latas de atum, um saco de pão de forma e um suco de caixinha. Fez questão de deixar R$ 10,00 na caixa registradora. Saiu dali. Andou por duas quadras. Os errantes eram lentos, suas aparências eram assustadoras, como se fossem pústulas ambulantes. Decidiu que não correria se não fosse preciso. Sua energia era vital para sobreviver a aquele novo mundo.

Bill dirigia sem rumo, só queria sair daquele cenário. Não tinha parentes, amigos, não tinha para onde ir.

Amanda chegara tarde, o prédio havia sido invadido, errantes perambulavam pelos corredores do Diário. Ela voltou ao veículo, colocou as mãos no rosto e desatou a chorar. Lágrimas que dificilmente eram derramadas, mas hoje foi inevitável.





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