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 Desolados - Episódio 3

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Ademar Ribeiro

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MensagemAssunto: Desolados - Episódio 3   Desolados - Episódio 3 Icon_minitimeQui Set 11, 2014 4:38 pm

Araçariguama - São Paulo, SP
Dia 01

Eduardo acordou para mais um dia de trabalho. Tomou um banho rápido, fez a barba e vestiu sua indumentária branca. Colocou seus pertences como carteira, documentos e chaves do carro, uma garrafa de água e seu jaleco sobre a mesa. Tomava café enquanto assistia o clipe Karma Chameleon no celular. Havia devorado quatro lanches de pão de forma com presunto, queijo e maionese. Mas Eduardo era magro de ruim, ainda pegou no armário um pacote de Trakinas sabor chocolate e a devorava como cachorro bebia água pós passeio.

Alimentado e de bom humor o rapaz trancou sua casa e foi trabalhar. Era cedo ainda, mas já passava das 7:30h, o sol havia despontando mais ao oeste há algum tempo. No céu nuvens cinzentas anunciava mais um dia chuvoso. Nada muito estranho. Eduardo inseriu o CD Metallurgy no CD player e encarou a viagem até seu trabalho cantarolando o megassucesso Enter Sadman.

Casa de Repouso Raio da Paz

O Lar dos velhinhos em Cotia, SP estava no máximo em seu contingente, não havia mais vagas. Era triste como as famílias se desfaziam de seus patriarcas assim como nos livramos de fraldas sujas. Já amanhecia a as cuidadoras acompanhavam os idosos na área externa, num café ao ar livre. Ao todo eram 32 velhinhos, entre homens e mulheres, em idades entre 73 até 95.

As cuidadoras já arrumavam as mesas, retirando os aparelhos de café. Um senhor esbravejava pois queria mais bolo de milho. Um outro xingava todos que lhe dirigia a palavra, segundo seu filho, esse comportamento agressivo se dava ao mal de Alzheimer.

Eduardo acionou o botão da garagem. Enquanto gotas molhavam seu para-brisas. Ele estacionou na cobertura de telha caneletão. As gotas se intensificaram. As cuidadoras corriam ajudando os mais dependentes. Os outros velhinhos corriam como podiam. Eduardo vestiu seu jaleco e correu para ajudar uma senhora com seu andador. As chuvas queimavam a pele. Gritos se ouvia. A ardência incomodava muito. Os velhinhos já protegidos se secavam e praguejavam a tal chuva. Eduardo queimou o coro cabeludo. Coçava, ardia. A ponta de sua orelha pinicava.

- Que chuva é essa gente? - disse o rapaz. Não ficou ninguém lá fora né?
- Não que eu saiba. - respondeu Jennifer.
- Doutor. O seu Osório, ele foi lá para o lado da churrasqueira. Ele não queria voltar e correu pra lá.
- Como assim? Jennifer, Daniel já chegou?
- Ainda não. Ligou falando que iria atrasar pois estava no transito, havia um acidente engarrafando o local.
- Vou lá buscar ele. Seque eles Janny, veja se alguém mais apresentar essas inflamações ligaremos para o Doutor Bicudo.

Eduardo pegou o guarda-chuvas. Lá fora a água já empoçava no piso. As mesas ainda postas estavam encharcadas. O tecido da toalha de mesa havia pretejado, como se tivesse chamuscado. Foi quando Eduardo notou pontos cinzentos em seu jaleco. As gotas queimavam. Sua cabeça e orelha coçavam.

Ele abriu a porta e se aventurou na chuva. Correndo pelo quintal chegou ao espaço da churrasqueira. Seu Osório estava deitado no chão. Seu pijama todo chamuscado. Estava virado de lado escondendo seu rosto.

Eduardo o virou e notou as feridas em seu rosto. Seu Osório estava com o rosto inchado e desfigurado. Como se um enxame de abelhas lhe picasse o rosto. Se bigode a muito grosso feito o de uma lontra, agora era raso, quase não se via em meio a pele inchada e avermelhada de seu rosto.

- Seu Osório, meu Deus. Vamos levantar daí. - disse o rapaz enfiando as mãos por debaixo dos braços do idoso.

Prendendo o guarda-chuvas entre o pescoço e o ombro Eduardo levantou seu Osório.

- Jennifer, me ajuda aqui. - gritou o rapaz.

Logo a cuidadora trouxe uma cadeira de rodas, onde foi colocado seu Osório.

Jennifer usava uma capa de chuva, sentia cheiro se plástico queimado. As gotas insistentes já penetravam na lona do guarda-chuvas de Eduardo.

- Cacete. Que chuva é essa?

O rapaz correu com o idoso pelo quintal até a cobertura da varanda. Jogou o guarda-chuvas inutilizado ao lado. Sentia a mão queimar. Manchas vermelhas se faziam onde a chuva o atingia.

- Leve ele pra dentro. Ele precisa de um banho. Ligar ei para doutor Bicudo.

Eduardo pegou seu celular, estranhou a ausência de sinal. Xingou a operadora incompetente, mas atribuiu parcela da culpa aquela chuva estranha.

Todos os residentes se encontravam na sala de estar na casa. Todos acomodados em sofás, poltronas e cadeiras, alguns usando pomadas para queimadura nos locais acometidos pela água da chuva.

Na enfermaria seu Osório estava deitado, Jennifer e Márcia cuidava dele, aferindo sua pressão, temperatura, batimentos cardíacos. Ele estava desacordado.

Foi quando Eduardo chegou, seu Osório abriu os olhos. Márcia sorriu olhando aquela cara inchada.

- Seu Osório, que susto. O senhor está bem. - disse a enfermeira Márcia.

Seu Osório apenas virava os olhos. Emitia palavras incompressíveis e numa tonalidade quase inaudível. Márcia se aproximou tentando entender o que o idoso falava. Mesmo assim não compreendeu. Então se aproximou da boca dele, posicionando seu ouvido a poucos centímetros dela. Foi tudo tão rápido. Eduardo estava de costas guardando o destro quando ouviu o grito. Jennifer preparava um soro quando de súbito Márcia gritou.

Seu Osório a mordia no lóbulo da orelha, ela tentava sair, mas ele não cedia. Eduardo se antecipou apertando o maxilar de seu Osório. Normalmente aquela manobra lhe causaria dor, fazendo que com abrisse a boca. Eduardo e Jennifer gritava com seu Osório, que apenas estava com fome. Fome essa desconhecida até então. Márcia gritando e mordendo os dentes deu um soco no rosto do idoso que de nada adiantou. A mordida voraz cortava a cartilagem da enfermeira que se livrou do insano que agora mascava um pedaço de sua orelha.

- Meus Deus, o que foi isso. - desabafou Jennifer.
- O que deu nele? Que loucura.

Márcia chorava copiosamente com a mão apoiada na orelha direita. Seu manto branco se tingia rapidamente num vermelho escarlate. Os outros idosos se aproximava para saber o que aconteceria.

Eduardo e Jennifer restringiram seu Osório na maca, amarrando-o pelas mãos e pés.

-8-

Na sala seu Benedito tentava ligar para doutor Bicudo. Mas sem sucesso.

- Linha foi cortada. - disse o idoso prestativo.
- Foi o quê?
- Está muda...

Gritos interromperam seu Benedito.

"...o caos aqui é generalizado. Um acidente havia destruiu vários bairros de São Paulo e região. O Polo Petroquímico Capuava, situado no limite do município de Santo André com São Paulo foi aos ares quando uma aeronave, não se sabe como o atingira..."

A entrada ao vivo foi interrompida por uma tela azul com a mensagem:
Fora do Ar - Checar conexão da antena.

Eduardo pegou o controle e tentou mudar os canais, mas todos estavam fora do ar.

- Mas o que tá acontecendo?
- Talvez a chuva destruiu todos os cabos de transmissão! - disse seu Benedito.
- Impossível. Os sinais são via satélite. Jenny liga o rádio.

Mais gritos.

Todos buscaram o autor de tal surto. Quando viram Márcia com a boca ensanguentada. Ela mascava algo. Sangue lhe borravam a boca e o colo. Eduardo que lhe tinha uma quedinha, sentia asco daquela aparência. Dona Efigênia jazia ao chão em espasmo, seu pescoço esvaia em sangue. Um buraco fora feito em sua jugular.

- Ai meu Deus, ai meu Deus, ai meu Deus. Dona Efigênia. - gritava Jennifer.
- Porra! Que foi isso Márcia. Enlouqueceu também? - esbravejava Eduardo.

A enfermeira com seu típico vestidinho branco e keeds se tingia de vermelho. Ela não fixava ninguém apena o nada. E andava se forma lenta e desajeitada. Resmungava alguma coisa que ninguém entendia. Márcia agora estava faminta, uma fome insaciável e desagradável.

Eduardo correu por de trás da mesa de jantar, dona Efigênia havia congelado, não havias mais espasmos, o sangue já formava uma poça de mais de um metro de circunferência. Ela buscava o além com seus olhos paralisados e ainda abertos.

- Mata ela, ou ela vai matar todos nós. - gritou seu Sinésio.
- Você também enlouqueceu? - como vou matá-la?
- Você já foi do exército. Sabe muito bem como fazer.

Seu Sinésio era um ex-tenente reformado aposentado da polícia militar. Pra ele tudo se resolvia na bala. Ainda portava uma 22 dado a ele por um parceiro nos anos 70.

- Nas minhas coisas doutor. Tenho uma arma. Vamos. Acabe com isso?

Todos encaram o velho policial, o fuzilaram com os olhos, mas ninguém ousou dizer algo.

- Mas o que? O senhor tem uma arma aqui na casa de repouso? O senhor tá de brincadeira. - esbravejou Eduardo.
- Não estou, conheço todo tipo de pessoas, inclusive funcionário de casas como essas que mal trata idosos. Eu apenas me resguardei.
- Como pode seu Sinésio? Com que direito. Isso pode matar alguém sabia? - protestou Jennifer.
- Sinto muito Jennifer, mas agora a Márcia está mal, e vai matar todos nós se não fizermos algo.

Os idosos corriam todos para um canto enquanto Márcia se aproximava. Ela seguia estranhamente, buscava alguém com seus braços elevados. Como se quisesse um abraço. Eduardo deu a volta por ela e correu até o quarto. Trouxe duas mantas.

- Seu Sinésio, Benedito e seu Rubens, preciso do cinto de vocês.
- Quê?
- Mas para quê? - protestavam os velhinhos.
- Vou imobiliza-la.

Jennifer recolheu os cintos e entregou a Eduardo, enquanto os residentes brincavam de dança das cadeiras, correndo todos em volta dos sofás e mesa de jantar fugindo dos passos trôpegos de Márcia. Eduardo veio por trás e jogou uma das mantas sobre a cabeça da criatura ensandecida. Atou um cinto sobre a manta na altura dos ombros. Atou o outro cinto unindo os braços de Márcia a seu corpo, prendendo-a na altura dos pulsos. Agora sem maiores preocupações Eduardo a derrubou no sofá, e prendeu os pés da enfermeira com o terceiro cinto.

- Pronto!
- Uffa. Foi por pouco. - desabafou dona Dulce, uma senhora do cabelo lilás.
- O que faremos? - indagou Jennifer?

Aquela pergunta ecoou na cabeça de Eduardo.
"O que faremos?"
"O que faremos?"
"O que faremos?"
Não sabia o que se passava ali, coisas estranhas aconteceram em menos de uma hora. As chuvas, seu Osório, telecomunicações, Márcia!!!

"Será que essa chuva causou aquilo em seu Osório? Será que ele transmitiu algo para Márcia ao mordê-la? E os sinais mudos, TV, celular, telefones? Isso tudo não faz sentido. Se caso fizer algum, estamos diante de algo terrível."


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