Conto: Ela
Abro a porta e entro. Ela já está lá, linda como sempre, me esperando. Faz um meio rodopio, e depois o completa, quando tranco a porta e me viro para o interior do apartamento. É um ritual nosso, uma coisa que nos identifica como o casal feliz que somos.
Ela caminha na minha direção. A única pessoa que me entende neste mundo tão louco. Uma mulher maravilhosa: tudo o que quer me dizer, praticamente me diz com o olhar. Não reclama de nada, não gosta de sair, não me pede nada, e está sempre pronta para mim, louca por mim, esperando por mim.
Todas as vezes em que chego ou saio do trabalho, ela está na sala, para me receber e se despedir. Obediente, sabe o seu lugar. Sabe que jamais será igual a mim, que dirá se sentir superior. É o que as mulheres são: seres com deformidades, homens imperfeitos. Inferiores. Ela sabe disso, e é por isso que a amo. A única mulher que amei em toda a minha vida.
Vamos para a cama. Eu deitado, ela do meu lado. Ela me lembra que hoje seria o aniversário da minha mãe. Solto uma risada de desprezo... Então não se lembra do que ela me fez na infância?
— Mãe, aonde vamos — perguntei a ela, do alto dos meus onze anos.
— A um médico especial. Ele é diferente. É um médico de conversar.
— Médico de conversar?
Saí do consultório do médico. Ele garantiu à minha mãe que não sou homossexual. Eu só saberia o que essa palavra significa alguns anos depois. Ele disse que eu sou misógino, o que quer que isso seja. Por isto, brigava com as meninas da escola.
Rio por dentro... Eles não sabiam de nada! Brigava com as meninas da escola porque elas falavam demais, não queriam me obedecer, e se achavam mais bonitas e melhores que eu. Rá! Melhores que eu...
E fui crescendo num lar em que meu pai me mostrava como tratar as mulheres da forma certa, colocando-as em seu devido lugar. Nenhum batalhão de mulheres é melhor que um único homem, isso eu posso garantir.
E sei que foi culpa da minha mãe a morte prematura do meu pai. O câncer o comeu por dentro, por causa dela, tenho certeza. Tanto contrariou meu pai, que cuidou de mim desde que eu era bebezinho... Ela falava para ele que filho dava muito trabalho, e se queria tanto um, ele que cuidasse.
Desqualificava meu pobre pai o tempo todo, enquanto o coitado se matava de trabalhar, para nos dar conforto. Claro, ela trabalhava, em vez de ficar em casa e cuidar de mim e das tarefas do lar, que eram seu dever.
Quando meu pai se foi, deixou-nos com uma situação bem confortável. Minha mãe, que já não me aturava mesmo, foi morar na nossa casa de praia em São Pedro d'Aldeia. Eu fiquei aqui no Rio e abri uma academia para mim, depois que me formei em Educação Física.
Reformei o apartamento, pois não aguentava viver naquele ambiente velho. Nunca mais falei com a minha mãe, e ela não me procurou. Surpresa nenhuma! Mas foi exatamente aí que essa mulher maravilhosa apareceu. Sabia tudo o que eu queria, até como se comportar. Só não cozinhava, porque reconhecia que eu era muito melhor que ela em tudo, até na cozinha!
Ela adora me tocar e ser tocada, e fica horas a me contemplar, em admiração. Uma vez lhe perguntei o que seria dela sem mim; ela me respondeu “Não seria!”, e se aconchegou mais ainda ao meu corpo. Sabe que sou eu quem deve protegê-la. Ah, por que passei tanto tempo sem você, meu amor? Onde você se escondeu durante todo esse tempo?
Durmo ao lado dela, depois que fazemos amor. Acordo pela manhã, e ela, linda, abre os olhos quase ao mesmo tempo que eu. Criaturinha angelical... Se ela soubesse o que fiz...
Sônia era uma das minhas alunas na academia. Galinha, claro. Dava para todo mundo que chegasse. Vivia insistindo para sair comigo... Um barzinho, um cineminha, uma festa, uma balada... Sempre era alguma coisa. Queria que eu a comesse, isto sim. Desprezível, imunda!
Um dia desses, aceitei. Ia dar uma machucada nela, pois só assim me deixaria em paz. Um cinema e um lanche. Fomos a um buffet de saladas na praça de alimentação de um shopping desses. Meu Deus! Sônia não parava de falar! Eu respondia uma série aleatória de “hums”, “ahs”, e “mesmos?”. Sônia nem notou, pois estava muito ocupada falando e pensando que eu tinha algum respeito por ela.
Depois, um filme desses, bem melosos, em que as mulheres aparecem como se fosse iguais aos homens, e os imbecis ficam correndo atrás delas. Só em filmes mesmo... Tive de me segurar para não dar boas gargalhadas no cinema, ouvindo a mulherada soluçando com a estória lacrimogênea... Ridículo, ridículas!
Finalmente, o motel. Deixei o carro na garagem, subimos para o quarto. Tranquei a porta e me virei: Sônia veio a mim com tanta força, que me jogou contra a porta. Tentava me engolir com a boca, porque aquilo não eram beijos. A língua dela quase chegou à minha garganta, tamanha a sofreguidão. Eu não podia sentir prazer algum assim.
Suas mãos pareciam carros de corrida percorrendo todo meu corpo, até que a direita encontrou meu pau. Segurou-o, apertando-o levemente, e parou de me beijar. Abriu os olhos e me encarou, dado um sorriso maroto, mostrando os dentes e passando a língua nos lábios. Soltou uma risadinha safada. “É uma putinha, mesmo”, pensei.
Pegou a minha mão direita e me fez esfregar aqueles seios empinados. Os mamilos estavam tão duros, que juro que os ouvi estalar, quando meus dedos passaram sobre eles. Sônia continuava a segurar meu pau, mas agora rebolava, esfregando-se nas minhas coxas, ora numa, ora noutra.
Soltava suspiros de prazer, breves risadas, e me instigava, ora me dando beijinhos, ora passando a língua rapidamente nos meus lábios. “Como se isso fosse bom”, pensei. Mas, já que estava ali...
Sônia desafivelou meu cinto, abriu o botão e abaixou meu zíper, metendo a mão por dentro das minhas calças. Segurou de novo meu membro, agora sem nada entre nossas peles, e soltou um gemido de prazer, sorrindo novamente daquele jeito.
Abaixou minhas calças, e pude ver pelo espelho o tamanho do meu membro. Sempre me admirei com ele! Sônia se ajoelhou, e o abocanhou de uma só vez. Como ela conseguiu?
Sônia me chupava sofregamente, como se quisesse me engolir. Às vezes, diminuía o ritmo e me fazia crer que sentia algo por mim, sendo mais carinhosa e cuidadosa, como se quisesse realmente me dar prazer, e não arrancar meu membro.
Levantou-se e me abraçou, levando minha mão esquerda para baixo da minissaia: ela estava sem calcinha! A parte interna de suas coxas estava molhada, e me fez tocá-la intimamente: senti todo o seu calor. Os poucos pelos estavam melados e colados uns nos outros, e soltou um longo urro de prazer quando a toquei.
Afastou-se de mim e tirou sua roupa dançando. “Que mulher vulgar”, pensei. Pelada e com os sapatos de salto alto, parecia uma atriz de filme pornô. Virou-se de costas para mim, colocou as mãos nos joelhos e se empinou, olhando para mim, rebolando e me convidando...
Voltou e começou a retirar minhas roupas, esfregando-se em mim e soltando ruídos de muita excitação. Finalmente, estávamos nus! Sônia segurou meu membro e me levou para a cama, puxando-me por ele. Se aquilo tudo mal cabia na sua mão, imaginei o estrago que faria quando entrasse.
Sônia se abriu para mim, e eu a penetrei de uma vez só. Falou para mim:
— Ui, tesão! Vem com tudo, meu macho!
Comecei a me mexer bem gostoso, sem pressa, para lhe dar prazer. Depois de um bom tempo, explodi num gozo que deveria tê-la encantado, mas Sônia apenas falou:
— Mas... já...?
— Como assim, mas já? Estou aqui há um tempão!
— Tempão? Você deu quatro estocadas e gozou — exclamou, e me afastou, sentando-se na cama — é nisso que dá sair com homem de pau pequeno...
— Pau pequeno? Pau pequeno? Meu pau é muito grande, entendeu bem?
— Só se for comparando a uma minhoquinha, meu amor...
Galinha. Puta. Isso é o que ela é. Deve ter dado para algum animal, cavalo, burro, sei lá. Eu sou pequeno? E eu lhe dei uma das melhores trepadas da minha vida; a safada vem me dizer que era só aquilo? Mas já, a piranha me disse. As coisas que eu tenho de aturar!
Saímos do hotel sem trocar palavras. Coloquei Sônia em seu devido lugar. Nunca mais vai falar nada de mim, o que eu acho ótimo! Deixei-a em algum lugar que nem me lembro, ache condução para voltar! Imagine só, me tratar desse jeito. Uma mulher me tratar assim? Rá! Não mesmo...
Mas isso é passado. Recente, mas passado. Ontem. Ainda bem que minha amada não sabe. Ela é tudo para mim, não precisa ocupar sua linda cabecinha oca com as preocupações de um homem.
Às oito e pouco, o interfone toca. Não quero atender, e nem me levanto. Deve ser meu sócio. Ele sempre passa para me pegar. Ah, dane-se: sou um dos donos do negócio, não preciso chegar todo dia cedo.
Alguns minutos se passam. Sou acordado por alguém esmurrando a porta, gritando “polícia” e “abra essa porta” do lado de fora. Levanto-me, assustado. O que a polícia quer comigo?
Ela me abraça. Não quer que eu me levante. Se eu sair, quem vai protegê-la? Pede-me que eu fique. Alguém do lado de fora grita que sabe que eu estou aqui. O maldito porteiro deve ter me entregado. Safado! E ainda diz que é um homem...
Eu me levanto, ainda pelado, e vou à sala. Ela vem comigo, sem roupas, e me abraça por trás. Sabe o que temos de fazer. Este mundo é louco demais para nós. A única sanidade que conheci aqui foi a minha, e a dela. Por isso nos damos tão bem, por isso nos amamos tanto!
Ela sorri para mim; sabe o que o destino nos trouxe. “Vamos arrombar!”, do outro lado da porta. Vou à cozinha, volto, e ambos temos facas. Ela passa sua faca nos seios, e o frio do metal faz com que os mamilos saltem. Imediatamente me excito e repito seus movimentos.
Ela me mostra o pulso esquerdo, e eu, o direito. Alguns segundos de silêncio, uma breve dor, e o sangue escorre quente. Cortamos os pulsos que sobram quando ouvimos a movimentação nas escadas.
Eu a abraço e beijo, e corto sua garganta com a minha faca, e ela faz o mesmo comigo. Que dor, que amor! Morrermos juntos é o ato de maior amor que já tive na minha vida!
Engasgo no meu sangue, ela faz o mesmo. Tudo escurece. Não sentimos quando batemos nossas cabeças no chão duro, e nem ouvimos quando a porta, arrombada, se escancara.
A inconsciência do choque evolui rapidamente para a morte, e aos homens que entram na nossa casa respondemos com a frieza dos nossos corpos sem vida. Tentam nos reanimar, mas é tarde. Um deles escorrega no sangue e cai, se machucando. Se eu estivesse vivo, riria muito!
— Você disse que ele morava só? Nenhuma outra pessoa vinha aqui — pergunta o inspetor Moreira ao porteiro.
— Não, senhor. Morava só.
— E por que tantos espelhos nas paredes e teto? A casa inteira...
— Ele fez uma reforma depois que a mãe foi embora e botou espelho na casa toda.
— Obrigado. Pode ser que eu precise que o senhor fale lá na D.P., está bem?
— Sim, senhor.
Moreira se levanta e vai ao colega. Ele lhe fala:
— E aí, Moreira?
— Cara, o negócio é louco aqui. O cara matou a mulherzinha... como é mesmo o nome dela? Sônia?
— Isso aí.
— Pois é: estrangulou a menina, largou num matagal, veio para casa, e se matou. Caso encerrado.
— Porra, Moreira. O cara morava sozinho! A menina era bonitinha, gostosinha, e o babaca faz isso. Deus não dá asa a cobra!
— Pois é. Vambora, que eu tô com fome. Nem tomei café...
— Demorô!